FOLHA DE SP - 28/03
Planalto faz vídeo contra políticas aceitas pela maioria e de impacto consumado
Não satisfeito com seu pronunciamento de terça-feira (24) em cadeia de rádio e TV, o presidente Jair Bolsonaro avançou em sua cruzada para sabotar os esforços de controle da epidemia de Covid-19.
Na mais recente ofensiva contra as recomendações quase unânimes de médicos e estudiosos, o Palácio do Planalto encomendou um vídeo publicitário em que se exorta a população a voltar ao trabalho, às escolas e a outras atividades.
“O Brasil não pode parar” é o mote da peça populista, veiculada de modo experimental nas redes sociais bolsonaristas —o que já seria um escândalo em potencial, tratando-se de comunicação de governo, mesmo se o conteúdo fosse sensato ou bem-intencionado.
Mais que excitar as hordas fanáticas da internet, o que se faz é estimular de modo temerário pressões de empresários e trabalhadores contra as normas de confinamento em suas cidades e regiões.
Se compreendem-se as preocupações com a renda e os empregos, é com fundamentos científicos que se deve travar a discussão. O governo Bolsonaro, entretanto, não apresenta um fiapo de argumento técnico para sustentar a defesa que o presidente faz de isolamento apenas parcial de indivíduos.
Com o mesmo ímpeto demagógico e irresponsável, o chefe de Estado decidiu incluir as atividades religiosas entre aquelas oficialmente consideradas essenciais, permitindo que cultos de qualquer natureza continuem ocorrendo mesmo em situações de quarentena.
Encoraja-se, assim, o comportamento de risco da população, com a formação de aglomerações em espaços fechados —ambiente propício para a propagação do vírus.
Para dizer o óbvio, atividades hieráticas não se revestem, num Estado laico, da essencialidade fundada no interesse público. Conforme o decreto que trata da matéria, serviços essenciais são aqueles que “se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.
Nem mesmo como cálculo político os desmandos de Bolsonaro fazem grande sentido. Ele investe contra políticas já em curso, aceitas pela grande maioria da população e de impacto econômico consumado. Não escapará de responder por uma recessão; tampouco merecerá os créditos se o combate à pandemia for bem-sucedido.
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