É importante que as medidas para sustentar renda e emprego sejam transitórias
Em 2009, como resposta à grande crise financeira internacional, o governo expandiu o gasto público e os empréstimos do BNDES, entre outras medidas. Era política contracíclica para estimular a economia.
A política, correta em 2009, perenizou-se. Os excessos já estavam claros na virada de 2009 para 2010. Começamos a cavar o buraco que terminou na grande crise brasileira de 2014-2016.
Assim, é muito importante que sejam transitórias todas as medidas que têm sido desenhadas para sustentar a renda e o emprego formal durante a crise produzida pela parada súbita da economia em consequência do enfrentamento da pandemia da Covid-19.
Não podemos repetir os erros de um passado tão próximo.
Presidente Jair Bolsonaro durante pronunciamento à imprensa no Palácio do Planalto para falar sobre a crise do Coronavírus - Pedro Ladeira/Folhapress
Além de recursos adicionais para a saúde, que o Tesouro tem transferido às secretarias, o pacote mínimo inclui: alguma ação para sustentação de renda dos trabalhadores informais; um programa de financiamento, com risco do Tesouro, para a sustentação do emprego formal; e algum programa de sustentação da receita dos estados e municípios.
Na quinta-feira (26), a Câmara aprovou auxílio de R$ 600 mensais por três meses aos trabalhadores do setor informal.
Para os trabalhadores do setor formal, será necessário cortar os custos das empresas e compartilhar a queda do produto ao longo do período de calamidade entre empregados, empregadores e governo.
O ideal é que os salários dos setores parados sejam reduzidos à metade e que o seguro-desemprego pague metade dessa queda. O trabalhador terá queda de 25% do salário, fato permitido pelo artigo 503 da CLT nas atuais circunstâncias.
A queda de 25% do salário pode ser compensada pela liberação do FGTS, como sugeriu Persio Arida nesta Folha.
Evidentemente os servidores públicos devem ser incluídos no esforço fiscal dos atuais tempos de guerra. Os salários do serviço público, como do setor privado, deveriam ser reduzidos em 25%.
Ecoando a proposta de Nelson Barbosa no Blog do Ibre (bit.ly/2JhrPAW), o governo enviou ao Congresso Nacional um projeto de emenda à Constituição (PEC) que permite ao Banco Central, em momentos de calamidade, a compra de títulos públicos e privados. Prepara o caminho para uma operação de sustentação da folha de pagamento de empresas.
Finalmente o tema mais delicado: algum programa de sustentação da renda dos estados e municípios.
Se o Tesouro sustentar a renda dos estados e municípios —por exemplo, garantir a receita de ICMS, ISS e o FPE nos níveis de 2019—, o custo do programa será muito elevado. A receita total de ICMS, ISS, FPE e FPM é da ordem de 11% do PIB. Uma frustração de receita por três meses de 75% tem custo fiscal de 2,1% do PIB ou R$ 150 bilhões.
Com todos os programas somados, incluindo a queda de receita da União, teríamos um déficit primário de uns 8% do PIB. É um pouco menor do que países desenvolvidos têm feito, mas parece excessivo para uma economia emergente que já parte de um nível excessivo de dívida.
Ou seja, temos o seguinte dilema: o pacote que parece razoável para enfrentarmos a crise nos legará um nível de dívida muito elevado.
Penso que não escaparemos de, conjuntamente com o pacote fiscal temporário, aprovar medidas que sinalizem construção de um equilíbrio fiscal a longo prazo.
O melhor candidato é a aprovação, conjuntamente com o pacote fiscal emergencial, da emenda constitucional emergencial para vigorar pelos próximos cinco anos, ao menos, para permitir a reconstrução da estabilidade fiscal.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.
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