A reforma da Previdência tem muitos méritos. O principal é estabelecer a idade mínima de aposentadoria para (quase) todos (servidores públicos estaduais e municipais não foram incluídos). Atualmente, apenas os mais humildes, que não conseguem comprovar o tempo mínimo de contribuição à Previdência, se aposentam por idade.
Não é possível dizer que foi a reforma “possível”, pois o governo evitou temas polêmicos, como igualar a idade de aposentadoria de mulheres e homens, e defendeu corporações.
Houve esforço para reduzir as diferenças entre o regime do setor privado e o regime próprio dos servidores da União. Elevou-se a idade mínima no caso geral, em linha com o setor privado (62 anos para mulheres e 65 anos para homens), mas com idade menor para professores (57/60) e policiais (55), e com regra de transição mais suave para quem ingressou no setor público antes de 2003 (idade mínima de 55/60 e a possibilidade de integralidade do valor da aposentadoria), grupo que representa significativos 45% do total de servidores.
A diferença entre as regras do setor público e do setor privado foi reduzida, mas não satisfatoriamente; e reconhecendo que a eliminação completa, sujeita a judicialização. Computando todos os ajustes feitos na proposta do governo, a Instituição Fiscal Independente (IFI) calcula que a desidratação no regime próprio da União é de 45%. No regime geral do setor privado foi menor, de 15%.
No entanto, a crítica que o presidente Bolsonaro falhou no combate à desigualdade precisa ser ponderada. É importante reconhecer que os mais pobres foram mais preservados, com o ajuste pesando mais sobre os mais privilegiados.
Vale lembrar que melhorar a distribuição de renda não foi pauta da campanha de Bolsonaro. Seu foco foram as classes mais favorecidas, que é, por sua vez, quem melhor aprova o governo e exibe aumento de aprovação desde o início do ano, segundo a pesquisa da XP.
A Câmara também procurou reduzir a desigualdade. Houve a preservação da vinculação dos benefícios ao salário mínimo, sendo retiradas as mudanças na aposentadoria rural e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), ainda que ajustes fossem necessários em ambos. Afinal, segundo relatório do Banco Mundial, 76% dos beneficiários de aposentadoria rural e 70% do BPC pertencem ao grupo dos 60% mais ricos da população, isso já contabilizados os benefícios. Há provavelmente um problema de falta de focalização desses programas, pelo seu desenho, bem como por decisões judiciais e irregularidades, que é o foco da MP 871.
Quem decepcionou mesmo foi uma parcela da esquerda, justamente onde se espera maior sensibilidade social. Não por terem votado contra a reforma, pois isso faz parte do jogo democrático, mas por não defenderem a inclusão de Estados e municípios e por terem feito propostas para suavizar regras de grupos mais favorecidos.
Para citar alguns, o PSOL apresentou destaque para suprimir as necessárias mudanças na regra de abono salarial. Segundo pesquisa do Banco Mundial, 67% dos benefícios são dirigidos aos 60% mais ricos. O Podemos e o PDT propuseram regras mais brandas para o funcionalismo e o PT propôs mudanças no cálculo de pensões por morte, apesar da enorme distorção das regras (reposição de 100% da renda), que aumentam a renda per capita da família, o que destoa da experiência internacional.
Todas as medidas com custo significativo para os cofres públicos. Felizmente, foram rejeitadas.
Uma reforma mais dura, e que contemplasse Estados e municípios, seria melhor para a população mais pobre que depende dos serviços públicos, cujo orçamento é comprimido pelo aumento das aposentadorias. Faltou também um olhar para o grupo mais humilde que tem pouco tempo de contribuição (subiu para 40 anos para ter direito ao benefício integral).
Há ainda o desafio de aprovar a reforma em segundo turno na Câmara e, também, no Senado. Que não tenhamos mais sustos.
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