domingo, julho 28, 2019

Nada disso - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 28/07

Reforma da Previdência mostrou que falta muito para que partidos participem das discussões com isonomia


Meu amigo e coautor, Samuel Pessôa, criticou a reação dos partidos de esquerda ao apoio de alguns de seus deputados à reforma da Previdência.

Samuel, corretamente, apontou a tática de guerrilha desses partidos que, quando estão na oposição, denunciam qualquer proposta do governo como subserviente a interesses indevidos.

Nos anos FHC, o PT e seus braços auxiliares foram contra o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a criação do Fundef. Durante o governo Temer, esses mesmos grupos foram insensíveis à grave crise herdada e tentaram impedir qualquer medida de ajuste.

Samuel, no entanto, erra ao afirmar que as mudanças na reforma da Previdência proposta pelo governo, como no BPC e na aposentadoria rural, decorreram de negociações com os partidos de esquerda.

Nada disso. As modificações foram obra de 13 partidos de centro, representando 291 deputados, que apresentaram um documento em março afirmando que apenas apoiariam a reforma caso aqueles pontos fossem revistos. Assim foi feito.

Houve negociação com grupos da oposição, mas os partidos de esquerda, como o PT, o PSOL, o PSB e o PDT, não aceitaram conversar e optaram pela velha tática de distorcer os fatos e rejeitar integralmente a proposta de reforma.

Foi de pouca serventia apontar o desequilíbrio das contas públicas e a imensa injustiça da nossa Previdência, que beneficia os grupos de maior renda. Como usual, os líderes dos partidos de esquerda estavam mais preocupados em desqualificar o outro lado do que discutir com cuidado propostas para enfrentar a alta taxa de crescimento do gasto com previdência que asfixia o setor público.

Para agravar, nossas regras atuais privilegiam a elite dos trabalhadores, seja do setor privado, seja do setor público. Assim, seria de se esperar que os partidos de esquerda estivessem genuinamente interessados em reduzir os benefícios para o andar de cima de modo a preservar os direitos do andar de baixo.

Em vez disso, os partidos de esquerda se ausentaram das discussões. É de tirar o fôlego que a sua liderança na Câmara se diga responsável pelas modificações realizadas no relatório do deputado Samuel Moreira.

A imprensa registra os poucos intelectuais vinculados ao PT, como Nelson Barbosa, e os deputados de esquerda que colocaram o país acima das disputas mesquinhas e defenderam a reforma da Previdência, ainda que com ajustes.

No mais, restam políticos que se autoproclamam defensores dos mais pobres, mas que fincaram trincheiras para proteger os privilégios das corporações do setor público.

A turma do palanque fica a gravar selfies enquanto a política trabalha.

Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

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