O que queremos é um atalho para tornar a nossa vida melhor e que se danem os outros
Não existe indústria da multa. Para provar isso, bastam as estimativas de dois números: a média de erros no trânsito e a quantidade esperada de multas de um condutor.
Cometemos várias infrações no trânsito toda hora: direção acima da velocidade permitida no local, buzina sem razão, troca de faixa sem ligar a seta, falar (ou teclar!) no celular, ultrapassagem pela direita, estacionamento em fila dupla, e muito mais.
Vamos ser generosos e estimar em somente dez as infrações diárias de um motorista no Brasil (há variação regional, mas está para nascer um motorista que respeite todas as nossas regras de trânsito).
Se uma pessoa dirige 200 dias por ano, isso totaliza 2.000 infrações anuais por condutor. Mas, na média, cada condutor brasileiro recebe duas multas por ano. Isso significa que, a cada mil erros (sendo bem generosos), somente um é punido. Ou seja, a taxa de punição da “indústria da multa” seria de 0,1%.
Nem todas as multas são pagas. Assim, a real relação entre infrações de trânsito e multas pagas seria ainda menor. Vocês conhecem alguma empresa que deixe na mesa 99,9% das suas vendas? Imagine um dentista que consertasse corretamente os dentes de 1 entre 1.000 pacientes. Ou uma fábrica de sapatos na qual 999 de 1.000 fossem defeituosos.
Se existisse indústria da multa, não haveria déficit público no Brasil (exagero, mas não muito). Bastaria colocar agentes de trânsito em qualquer esquina e sair multando todos os carros e suspendendo carteiras de motorista. Depois, seria só colocar empresas atrás dos devedores.
A inexistência da indústria da multa não significa que nossas regras de trânsito não possam ser criticadas. Muitas vezes o Estado usa as multas como medidas punitivas, em vez de educativas. Regras podem (e devem) ser melhoradas, mas ninguém tem o direito de decidir quais regras seguir.
Até hoje me lembro do meu irmão dando carona para uma colega de trabalho, logo depois de ir morar em Portugal. Ele sempre dirigiu bem para os padrões brasileiros, mas, depois de cinco minutos no carro dele, a sua colega lhe pediu que parasse para que ela descesse do carro.
Detalhe: isso no meio de uma avenida no meio do nada. Ela não aguentou a sua forma agressiva de direção. E ele nem percebia isso.
Na verdade, o clamor contra essa inexistente indústria reúne tudo de pior do brasileiro: egoísmo, irracionalidade, ignorância e falta de accountability —parte falta de responsabilização individual e parte transferência de responsabilidade para outrem.
A indústria da multa é a desculpa perfeita para uma sociedade doente: “Não é minha culpa, não é meu erro, a multa nasceu de uma entidade maligna”.
O que queremos é simples: que todos respeitem as leis do trânsito, menos nós. Assim podemos ver uma fila de carros num afunilamento à direita e irmos na outra pista quase até a junção das pistas, nos jogando no primeiro espaço vazio que aparecer perto dela.
“É só um minutinho”, também dizemos quando estamos parados em fila dupla, esperando a filha sair do colégio.
Os brasileiros conduzem muito mal, num comportamento de manada que reforça o comportamento ruim dos outros.
Talvez seja até impossível respeitar todas as leis do trânsito, quando ninguém o faz. Mas dirigir mal não é o problema. Colocar a culpa nos outros é que é.
Não existe indústria da multa, o que queremos, como quase sempre, é um atalho para tornar a nossa vida melhor e que se danem os outros.
Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.
Um comentário:
Vem falar pra mim que não existe a indústria da de multas ???
Tenho uma multa de rodizio em dia de rodizio suspenso devido ao feriado ....e agora recebi uma multa por trafegar em rodovia com farol apagado e meu carro nem saiu da garagem nesse dia
Sacanagem ..roubo ..indústria da multa sim
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