A divulgação em conta-gotas das mensagens tóxicas que Sergio Moro trocou com os procuradores da força-tarefa de Curitiba subverteu a rotina do ministro da Justiça. Moro ainda não percebeu. Mas já reproduz maquinalmente procedimentos que se tornaram habituais no dia a dia dos investigados da Lava Jato. O ex-juiz foi empurrado para dentro do mesmo pesadelo vivido por vários dos seus sentenciados. Nele, o encrencado está sempre um passo atrás da encrenca.
Mal comparando, a captura dos diálogos que estavam escondidos no recôndito dos celulares tem o peso da apreensão de uma planilha da Odebrecht. É como se os criminosos tivessem realizado uma operação de busca e apreensão sem ordem judicial. Ironicamente, numa das mensagens arrancadas do Telegram, Deltan Dallagnol identifica Moro pelo codinome de "Russo", reproduzindo o vício dos executivos da empreiteira de brindar os interlocutores com apelidos sugestivos.
Nas primeiras gotas, o vazamento expôs um juiz metido em conversas nas quais cobrava a realização de operações, oferecia testemunha à Procuradoria, sugeria certos procedimentos aos procuradores e consultava-os sobre procedimentos incertos. Em nota, Moro declarou que "o fato grave é a invasão criminosa do celular dos procuradores". No mais, não viu no material "qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado."
Com a reputação já bem umedecida, Moro permaneceu sob a goteira. Soube-se que, no escurinho do cristal líquido, o ex-juiz exibe um humor insuspeitado. Ali, ele se permite escrever coisas como "In Fux we trust". Aos poucos, as reações de Moro à goteira foram se tornando tão escorregadias quanto a superfície molhada que se formou sob seus sapatos.
Num instante, o ministro já não conseguia atestar a autenticidade de todos os diálogos. Noutro momento, admitia que pode ter cometido um descuido ao não formalizar um pedido de diligência à Procuradoria. Numa terceira oportunidade, realçava a necessidade de submeter as mensagens a uma perícia independente.
Moro mal teve tempo de balbuciar sua penúltima explicação e já enfrenta o desafio de novas gotas. Numa, descobre-se que encomendou aos procuradores uma nota para rebater o "showzinho" que Lula e sua defesa deram durante um interrogatório. A cada nova revelação, o presidiário petista tem orgasmos múltiplos na cela especial de Curitiba.
Noutra gota, fica-se sabendo que Moro aconselhou Deltan Dallagnol a "ficar com 30%" da delação da Odebrecht, desprezando o resto. "Muitos inimigos e que transcendem a capacidade institucional do MP e Judiciário", anotou. Confinado no luxo de sua mansão no bairro paulistano do Morumbi, Marcelo Odebrecht deve esboçar um sorriso no canto da boca enquanto arrasta sua tornozeleira eletrônica no trajeto entre a sauna e a pérgula da piscina.
Neste sábado, a assessoria de Moro divulgou mais uma nota. Diz o texto: "O Ministro da Justiça e Segurança Pública não reconhece a autenticidade e não comentará supostas mensagens de autoridades públicas colhidas por meio de invasão criminosa de hackers e que podem ter sido adulteradas e editadas. Reitera-se a necessidade de que o suposto material, obtido de maneira criminosa, seja apresentado a autoridade independente para que sua integridade seja certificada."
Gente que conhece todas as mumunhas do poder e já viu elefante voar avalia que a descida de Moro pelos nove círculos do inferno está apenas no começo. O ex-magistrado chegou a Brasília ostentando a condição de verniz para impermeabilizar a biografia de Jair Bolsonaro. Sua prioridade era o combate à corrupção e ao crime organizado. Hoje, Moro recebe "beijo hétero" de Bolsonaro e prioriza a própria sobrevivência.
O ministro e os procuradores de Curitiba mereciam melhor sorte, pois o trabalho que realizaram à frente da Lava-Jato desceu ao verbete da enciclopédia como um marco na história da política nacional. Será uma pena se o conta-gotas resultar numa enxurrada com potencial para arrastar sentenças da Lava Jato para o bueiro, forçando a historiografia a incluir nesse enredo um epílogo sobre o sucesso que se perdeu pela falta de método.
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