Fatos dos últimos dias mostram complexidade das relações entre governo e tecnologia
Para além do choque das revelações do site jornalístico The Intercept Brasil, o país viveu dias atípicos na semana passada.
O debate sobre “cibersegurança” ganhou proporções nacionais. De mesas de bar a integrantes do primeiro escalão dos três Poderes, houve muita gente conversando sobre assuntos como “hackers”, “criptografia ponta a ponta”, “vazamentos” e “segurança da informação”.
Uma discussão desse tamanho sobre esse tema é rara no Brasil. Cibersegurança é um tema que sempre andou à deriva em nosso país. Já tivemos micos em 2018, quando planilhas foram publicadas na internet com senhas de sites administrados pela Presidência da República. Em vários países ocupar cargos públicos leva à obrigação de abrir mão de diversas práticas de acesso à rede, inclusive abandonar o uso de smartphones convencionais.
No Brasil, o fato é que praticamente todos os integrantes da administração pública se sentem muito confortáveis em manter seus hábitos “normais” na internet, mesmo quando têm de lidar com questões de segurança nacional.
Essa conduta é negligente. A Electronic Frontier Foundation (EFF), instituição que trata de temas como direitos e privacidade na rede, divulga com frequência um balanço sobre cibersegurança na rede. Chegou a publicar uma tabela com os principais aplicativos de mensagens, apontando quais seriam suas falhas de segurança. O Telegram é notoriamente um aplicativo que tem diversas vulnerabilidades.
Entre as três falhas que foram apontadas sobre o app pela EFF no momento em que a tabela foi realizada, estão: o aplicativo não utiliza criptografia, de modo que a própria plataforma pode ler as mensagens; não há mecanismos de verificação de identidade dos contatos; as comunicações passadas não estarão seguras se as chaves que as protegem forem roubadas. Essas falhas só não se aplicam na modalidade “chat secreto” do Telegram, que precisa ser acionada ativamente pelo usuário para funcionar.
Em outras palavras, quem usa o Telegram assume o risco de ter comunicações sensíveis interceptadas ou vazadas na rede. Saber que esse aplicativo tem falhas não é uma informação “secreta”. Qualquer busca na internet feita por leigo aponta claramente as deficiências do aplicativo e os riscos que se corre do ponto de segurança da informação ao ser utilizado.
Para além das questões técnicas, os fatos dos últimos dias mostram a complexidade das relações entre governo e tecnologia no mundo atual. Já falei aqui na coluna que “quem governa por redes sociais acaba sendo governado por elas”. Mais do que isso, fica claro também que “quem julga por redes sociais acaba sendo julgado por elas”.
Essas duas constatações derivam diretamente da lição que Marshall McLuhan postulou já nos anos 1960, da seguinte forma: “As sociedades são moldadas muito mais pela natureza das mídias que as pessoas usam para se comunicar do que pelo conteúdo dessas comunicações”.
Em outras palavras, as ferramentas que usamos para exercer controle também nos controlam. Mais do que nunca, o cachimbo entorta a boca. E, para citar outra lição de McLuhan: “Tudo o que um político mais gostaria de fazer é abdicar em favor de sua imagem, pois a imagem é sempre mais forte do que ele jamais poderia ser”.
READER
Já era Headphones convencionais
Já é Headphones que cancelam ruídos
Já vem Headphones que mapeiam o perfil auditivo de cada pessoa e se ajustam a ele
Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
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