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Houve momentos em que apenas a análise econômica bastava para entender os prováveis rumos do país. Não é o caso hoje: qualquer economista tentando fazer algum sentido acerca dos cenários possíveis e prováveis acaba sendo forçado, de forma mais ou menos constrangedora, a usar um chapéu de cientista político amador, de preferência buscando opiniões entre os melhores neste campo para entender de forma mais profunda as dificuldades que enfrentamos.
Digo isto porque, pelo menos entre os economistas com algum tutano, não há muita diferença no diagnóstico da atual situação. Apesar da permanente busca por soluções fáceis e rápidas (“vamos emitir moeda para financiar novos gastos”, ou “basta vender reservas que resolveremos nosso problema de endividamento”), já se formou certo consenso entre os que pensaram o problema com cuidado que nó mais premente (mas longe de ser o único) é o estado lamentável das contas públicas, cuja contrapartida tem sido a expansão consistente e vigorosa da dívida pública, de cerca de 50% do PIB no começo de 2014, para níveis próximos a 80% do PIB atualmente.
Quem faz conta também conclui que, sem recorrer a ganhos ocasionais, a dívida não cessará de crescer pelo menos até 2022-24, se conseguirmos manter o teto de gastos. Caso contrário, seguirá em expansão até o calote, explícito, ou, mais provavelmente, implícito por meio da inflação.
Engana-se quem imagina que isto não terá custo. Os interessados podem consultar o monumental This Time is Different, obra em que Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart examinaram minuciosamente inúmeros episódios de calote sob variadas formas, seja na dívida externa, seja na dívida interna.
Como notado pelos autores, “a dívida doméstica pode explicar o paradoxo do motivo pelo qual alguns governos parecem escolher taxas de inflação acima de qualquer nível que possa ser explicado pela receita de senhoriagem[1] sobre a base monetária”. A inflação alta é a forma pela qual governos desvalorizam as dívidas denominadas em moeda nacional.
Em nosso contexto, isto significa que, na ausência de um ajuste fiscal que recoloque a dívida em trajetória sustentável, se torna questão de tempo para que a “solução inflacionária” se materialize e, com ela, as consequências usuais em termos de queda de atividade e emprego, além da perda associada a taxas de inflação elevada.
Daí a insistência na questão previdenciária. Só no caso do governo federal, a despesa previdenciária (somados INSS e funcionalismo) representa praticamente 55% do gasto nos últimos 12 meses (quase 60% se incluirmos o BPC). No caso dos estados não faltam exemplos de paralisia das administrações sob o peso das despesas com inativos, que – sem reforma – devem crescer ainda mais.
Isto dito, é possível concluir que as manifestações deste fim de semana tenham elevado as chances de aprovação de uma reforma da previdência mais próxima à proposta pelo governo? (Aqui sai de cena o economista para que fique evidente o amadorismo do cientista político).
Pelo que pude entender das explicações dos entendidos no assunto, a resposta parece ser positiva, mas modesta.
A começar porque, a despeito dos ataques, a liderança do Congresso já se mostrava disposta a avançar nesta área. O vilipendiado presidente da Câmara, por exemplo, tem se movido no sentido de aprovar a reforma, embora sua extensão não esteja clara. Da mesma forma, em entrevista interessante ao Pravda (perdão, Valor Econômico) o presidente da comissão especial que analisa a reforma, embora bastante crítico ao governo, revela desejo de protagonismo na formulação do projeto a ser votado na Câmara.
Estes (e outros) sinais foram ignorados pelo presidente da República, que – de forma pouco sutil – preferiu atiçar a pressão das ruas neste sentido. Obviamente, o fato de algumas lideranças nas manifestações terem defendido mudanças na previdência não significa que este seja um tema de forte apoio popular (provavelmente não é), mas, de qualquer forma, pode ter dado um tanto a mais de conforto para quem estava inclinado a apoiar, mas sentia falta de certo respaldo.
Isto dito, a postura de permanente antagonismo ao Legislativo não se afigura sustentável à luz da história nacional, ainda mais com o mandato todo pela frente e num cenário de baixo crescimento e elevado desemprego (que em algum momento serão atribuídos ao mandatário de plantão).
A demonização da atividade política (apesar de certos políticos terem se esforçado bastante para merecê-la) sempre foi um risco para a democracia e para as reformas, e nada indica que será diferente desta vez.
[1] “Senhoriagem” é o ganho que o governo tem com a emissão de moeda, isto é, o poder de compra que transfere para si (às expensas dos cidadãos) quando cria moeda lhe dá direito de adquirir bens e serviços sem contrapartida de produção.
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