Para o analista político Bolívar Lamounier, o Brasil precisa inovar radicalmente em áreas como educação para romper um ciclo de crescimento medíocre
Por José Roberto Caetano, Eduardo F. Filho
Um dos analistas políticos mais respeitados do país, o sociólogo Bolívar Lamounier teme que o governo do presidente Jair Bolsonaro seja fraco demais para empreender mudanças radicais no cenário brasileiro. “Se Bolsonaro continuar do jeito que está, sem ousadia, vamos perder mais dez anos.” Um dos principais focos de sua preocupação é a educação, que exigiria uma profunda revolução. Bolívar avalia que tudo poderia estar bem pior, caso o PT continuasse no poder, e ressalta como pontos fortes da nova administração o plano econômico e a segurança, mas não poupa o governo atual. “Estamos sujeitos a uma sucessão de pororocas, de forças desorganizadas se debatendo uma contra a outra”, diz. Lamounier recebeu a reportagem de EXAME em sua casa, na zona oeste de São Paulo, para a entrevista a seguir.
Qual é a avaliação do senhor sobre o andamento do governo Jair Bolsonaro?
O governo Bolsonaro é um problema, mas, comparado ao que seria com o PT no poder por mais oito anos, ele se transforma na solução. O governo está no rumo certo quanto à reforma da Previdência. Está acertando também na questão das medidas de segurança do ministro Sergio Moro. Agora, no resto deixa muito a desejar. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, fala demais e nem sempre de forma adequada. Mas, na minha opinião, a falha mais grave de todas é na educação. No Brasil, a educação tem de ser uma prioridade. Mas, quando digo prioridade, eu estou falando de colocar ideias totalmente novas. Não é de uma reforma que o sistema educacional necessita, é de uma verdadeira revolução. É preciso virar a educação de cabeça para baixo.
O senhor acredita que o novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, fará uma reformulação na pasta?
Nenhum dos dois ministros, nem o novo nem o antigo, tem a mais remota ideia do que é a educação. Isso é uma coisa estranha, porque é uma área em que o Brasil tem excelentes quadros. Temos vários especialistas, como Claudio Moura Castro e Simon Schwartzman, vários. Se os ministros ouvissem, pelo menos, os especialistas de fora, já ajudaria bastante. Mas eles são fracos, influenciados pelos evangélicos e pelo guru da Virgínia [Olavo de Carvalho]. Então, essa é uma área parada e, até agora, sem nenhuma perspectiva de melhorar. Mesmo que a reforma da Previdência passe, daqui a três anos teremos de fazer outra com uma perspectiva pior. Há um número decrescente de jovens, com um nível educacional muito pior do que o de dez anos atrás, sustentando uma quantidade crescente de idosos. Essa juventude não está preparada para uma revolução tecnológica, de que o Brasil nem passa perto, e terá dificuldade para arrumar emprego.
Como o senhor acha que podemos mudar esse rumo?
Precisamos fazer reformas drásticas e rápidas se quisermos chegar daqui a 15 ou 20 anos a um nível aceitável. Viramos a oitava economia do mundo pela simples incorporação de mão de obra à economia. Era gente que vinha do campo para a indústria e para o setor de serviços com um nível muito baixo de produtividade. Hoje, nossa renda média anual por habitante é de 11 500 dólares, o que é absolutamente medíocre. É a metade da renda de Portugal. Para alcançar o nível dos portugueses, com a economia crescendo de 2% a 2,5% ao ano, levaríamos 35 anos. E estamos há dois anos com um crescimento de pouco mais de 1%. Esse é o cenário de um país em um nível de conflito, de desorganização, absolutamente intolerável.
A equipe liberal do governo não poderia nos mover a um caminho um pouco melhor do que esse?
Sem dúvida. Tenho uma visão pessimista do governo, mas o fato de termos adotado uma linha liberal ajuda muito. Agora, o governo precisa ter um discurso mais coerente. Eles têm de conversar mais entre si. O secretário da Receita diz que haverá um megaimposto, aí vem o presidente e diz que não vai ter imposto e, em seguida, aparece o presidente da Câmara dizendo que imposto nenhum passa. Como que ficamos? Ninguém sabe.
O que o senhor achou do anúncio do ministro da Educação de reduzir os gastos com os cursos de ciências humanas?
Em abstrato, eu concordaria com ele. O Japão fez isso. Mas, no momento em que o governo está pastando para aprovar medidas no Congresso, isso é uma receita para tirar a esquerda da preguiça e trazê-la ao grevismo. O governo dá pretexto para colocar um fato conflituoso num cenário em que precisamos baixar a bola, negociar e aprovar as coisas. Não podia haver hora pior para falar em corte desses gastos.
Mas precisa cortar gastos em algum lugar…
Por que também não reduzir o número de cursos de direito? Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil, existem mais de 1,2 milhão de advogados no país, fazendo do Brasil um dos países que mais têm advogados no mundo. Vamos tirar gastos das áreas que já estão excessivamente supridas e levar para aquelas que não estão e que são prioritárias. No episódio das ciências humanas, há uma provocação ideológica descabida que só vai desencadear uma reação contrária. Eles vão reativar a esquerda dinossáurica deste país.
O debate público está muito dominado pela agenda de costumes?
A última coisa em que um governo fraco com uma agenda pesada deveria se meter é na pauta de costumes. Ela é da sociedade. Na melhor das hipóteses, se você tiver bons partidos e um bom Congresso, faz um plebiscito e muda alguma coisa. Na situação em que estamos, com dificuldade para aprovar uma minirreforma da Previdência, o governo não pode se meter em agenda de costumes. É um negócio conflituoso. São os valores das pessoas. Qualquer coisa falada acaba ofendendo alguém. É sexo, aborto, tudo isso é nitroglicerina. É um governo que não tem cacife para governar, que não tem coordenação e que não discute nada internamente porque não sabe o que o outro pensa, pois ouve vozes contraditórias a todo o tempo.
Como avalia a ala militar no governo?
Os militares têm a cabeça muito mais no lugar do que os civis. Eles se comportam com seriedade. Agora, quando se colocam 15 generais no Executivo, dá a impressão que este é um governo militarizado. Não é verdade, mas é essa a imagem que se tem do Brasil no exterior atualmente.
O senhor não vê o Brasil prosperar num futuro próximo. Qual foi nosso erro?
O grande problema do Brasil, ao contrário do que se dizia ao criticar as “elites”, é a ausência de uma elite. Elite não é a cúpula da administração pública, da burocracia estatal ou dos militares. Elites são lideranças fora do Estado capazes de se contrapor a ele. Nossa elite é minúscula, em termos reais, fraca, desorganizada e mal informada. Após um longo período de crescimento baseado na exportação de commodities e produtos básicos para a China, a indústria enfraqueceu. Ficou mais atrasada tecnologicamente. O exterior avançou extraordinariamente. Então, até chegarmos ao ponto de equilíbrio e passarmos a ter alguma elite, nós estamos falando de décadas. Ou seja, o Brasil, da maneira que se encontra, está fadado a um abismo.
Qual é o balanço da eleição de 2018?
Foi uma pororoca de duas forças desorganizadas. De um lado, estava Bolsonaro. Do outro, o mito do ex-presidente Lula. Sem Lula, Fernando Haddad não teria nem dois votos. Eram duas figuras carismáticas se enfrentando, tendo votações inacreditavelmente altas, porque não temos nem partidos nem elites. Somos hoje um país sem espinha dorsal. O Brasil não sairá dessa armadilha se não fizer uma reforma política drástica. Não é uma reforminha, precisamos de outro sistema. Estamos sujeitos a uma sucessão de pororocas, de forças desorganizadas se debatendo uma contra a outra. Vivemos em uma pororoca.
O senhor vê o governo passar mais três anos e meio no quadro atual?
A continuidade depende de dois fatores. O governo precisa ter, no mínimo, êxito na economia, passando a Previdência. Se um pouco do capital internacional, mesmo com as dificuldades, vier para a infraestrutura, esse será um fator de estabilidade. O outro é que ninguém tem força para dar um golpe em ninguém.
O senhor parece muito pessimista…
Sou moderadamente otimista, porque acho que, com mais oito anos de PT, o jeito seria arranjar um passaporte e mudar para Portugal. Se nem quando o país crescia a 7% ao ano, no fim do governo Lula, não conseguiram fazer nada, não seria agora que fariam. Mas precisamos botar na mesa uma discussão séria para os próximos 20 anos e, dessa maneira, ajudar o governo a se nortear, senão a coisa vai ficar feia. Vamos ficar perdidos durante um bom tempo, de pororoca em pororoca. Se Bolsonaro continuar do jeito que está, sem ousadia, vamos perder mais dez anos.
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