O presidente Jair Bolsonaro convidou os presidentes da Câmara, do Senado e do STF — respectivamente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), David Alcolumbre (DEM-AP) e Dias Toffoli — para um café na manhã no Palácio da Alvorada. Estarão presentes também Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil, e Augusto Heleno, do Gabinete da Segurança Institucional. A ideia seria estabelecer um pacto entre os Poderes em favor das reformas da Previdência e tributária, da revisão do pacto federativo, da desburocratização e de medidas em favor da Segurança Pública, segundo informa a Folha.
Entendi. Bolsonaro convoca seus radicais, eles vão às ruas, esculhambam os outros dois Poderes, o presidente os aplaude e ataca as tais "velhas práticas" da política, diz que Centrão é sinônimo de palavrão, ajuda a divulgar vídeos que atacam o STF e o Legislativo e, bem…, aí vem a proposta de um pacto.
Já vivi o bastante para saber que, por aí, nada acontece. Maia, o principal alvo dos ataques de rua, poderia até engolir brasa acesa. Mas e os outros parlamentares? O presidente do STF tem liberdade para definir a pauta, mas não tem como decidir os votos dos demais ministros.
Nem a retórica que sustenta o convite está ajustada. Bolsonaro está fazendo tal convite porque sabe que atravessou o samba e que o apoio à agressividade palavrosa oriunda das manifestações aumentou a tensão entre os Poderes em vez de diminuir. Rêgo Barros, que não tem voz própria e porta a voz do presidente, explicou a coisa assim:
"As manifestações são um sinal de que a sociedade não perdeu as esperanças e de que seus anseios serão escutados pelos dirigentes do país. Esta voz das ruas não pode ser ignorada. É hora de retribuirmos este sentimento. O que devemos fazer agora é um pacto pelo Brasil. Estamos todos no mesmo barco e juntos podemos mudar o país".
Entendi. Então quem está convocando os respectivos presidentes das duas Casas do Congresso e do STF são as ruas? Mas esperem: nesse caso, Maia, Alcolumbre e Toffoli, que presidem entes que dizem respeito a todos os brasileiros, devem ignorar as ruas no dia 15? Ou aquelas vozes não valem?
Bolsonaro até agora não entendeu que ele é presidente de todos os brasileiros — inclusive dos que não votaram nele. E os outros três comandam Casas que pertencem ao conjunto da população; não são líderes de facções ou de milícias. Nem Bolsonaro deveria sê-lo.
Pacto com o quê? Bolsonaro nem mesmo consegue, em benefício do governo, fazer com que senadores com ele alinhados optem pela coisa certa no Senado no caso do destino do Coaf.
Um pacto supõe uma pauta, um comportamento e um compromisso. Ocorre que nunca se sabe quando Bolsonaro pode transformar aliados em inimigos.
Ne novo, vem a pergunta legítima: se, correndo hoje tantos riscos, como o de a MP 870 caducar, Bolsonaro trata os demais Poderes aos tapas, por que os trataria aos beijos caso venha a conseguir as coisas que deseja?
Dada a retórica do porta-voz, o presidente quer forçar a mão para consolidar a versão de que as ruas intimidaram Legislativo e Judiciário. O encontro, dois dias depois das ofensas disparadas, passa a impressão de que Maia, Alcolumbre e Toffoli estão com medo.
Bolsonaro não quer, de fato, café da manhã com ninguém. Ele chamou os homens que comandam o Legislativo e o Judiciário para tentar colar neles a pecha de acuados pelas ruas — que, no caso, são as ruas bolsonaristas.
Até porque, num pacto, as pessoas sempre cedem. Bolsonaro estaria disposto a ceder em quê?
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