Ou o sujeito tem o direito de tomar decisões sobre seu tratamento ou não tem
Entrou em vigor o novo Código de Ética Médica. Haveria vários aspectos a comentar, mas, dadas as limitações espaciais desta coluna, fixo-me na autonomia do paciente. Aqui, infelizmente, nada mudou. O órgão regulador dos médicos segue sem reconhecer que o indivíduo maior e capaz é soberano no que diz respeito às decisões sobre sua própria saúde.
Em redação idêntica à do diploma anterior, de 2009, o artigo 31 veda ao médico “desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte”. Não é preciso mais do que lógica elementar para perceber que a inclusão do “salvo em caso de risco iminente de morte” anula o que vem antes.
Ou o sujeito tem o direito de tomar decisões sobre seu tratamento, independentemente das consequências, ou não tem. É ridículo tentar limitar a autonomia à retirada de verrugas e outras situações que não ameacem a vida.
O caso paradigmático é o das testemunhas de Jeová, que, por razões religiosas, se recusam a receber transfusões de sangue. O que torna a situação desse grupo interessante para a bioética é que estamos falando tipicamente de situações agudas, nas quais a transfusão poderia salvar o doente, que depois seguiria com vida normal, e não de pacientes terminais, para os quais a medicina tem pouco a oferecer. Aqui, nossos instintos praticamente gritam por uma intervenção.
O problema é que não dá para ir contra a vontade do paciente sem passar por cima de suas crenças. E não me parece que possamos julgar o veto às transfusões como essencialmente menos razoável do que a proibição da masturbação ou da carne de porco. Como não dá para estabelecer uma hierarquia das loucuras, religiosas ou seculares, a única coisa sensata é deixar que cada indivíduo exerça sua autonomia, independentemente do desfecho.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…"
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