Pergunte a um especialista de internet quantas horas ele se dedicou ao tema
Dentre as características dos tempos que estamos vivendo atualmente, está um ataque ferrenho à ideia de especialistas. Em muitos círculos o termo virou palavrão.
Afinal, a única opinião que importa seria do povo, mesmo quando “povo” seja definido como as pessoas (e robôs) que frequentam as redes sociais. Os especialistas, por sua vez, seriam uma opinião de segunda classe quando comparada a essa “sabedoria popular”.
Mas o que seria, afinal, um especialista? Uma das melhores definições existentes é a do escritor Malcolm Gladwell, no seu livro “Outliers” (traduzido no Brasil como “Fora de Série”), de 2008. No livro, Gladwell debate o que seria necessário para que uma pessoa se torne um especialista em um determinado campo.
É nesse contexto que ele oferece uma regra simples: especialista é todo aquele que investiu ao menos 10 mil horas de prática em um determinado assunto. Por exemplo, essa é a média de tempo a que um violinista de talento reconhecido globalmente se dedica sozinho antes da fama.
O próprio Gladwell estima que os Beatles teriam ensaiado ao menos 10 mil horas antes de tocar em Hamburgo no começo dos anos 1960. Ou, ainda, esse teria sido também o tempo que Bill Gates teria dedicado ao ofício de programação antes de finalmente desenvolver o Windows.
Da mesma forma, esse número é uma boa régua para dividir quem se declara especialista em um tema ou não. Se você se dedicou mais de 10 mil horas sobre um assunto, pode se considerar um especialista. Se não fez isso, é ainda um amador.
No entanto, em um livro de 2016, os professores Anders Ericsson e Robert Pool defendem uma versão revisada dessa “regra das 10 mil horas”. No livro (traduzido no Brasil como “Direto ao Ponto: Os Segredos na Nova Ciência da Expertise”), os autores dizem que essa regrinha é útil, mas não é universal.
Outros fatores, como o campo de atuação, podem ser influentes. Em algumas áreas, mais tempo seria necessário. Em outras, menos. Esse seria o caso dos próprios Beatles. Em um estudo feito em 2013, Mark Lewisohn, biógrafo da banda, estimou depois de uma detalhada análise que na verdade eles teriam ensaiado por volta de 1.100 horas antes de tocar em Hamburgo (e não 10 mil).
Além disso, a forma como essas horas são aplicadas também importa. Ficar só na teoria não é suficiente. Os autores defendem que a melhor forma de criar especialistas é colocando as pessoas para treinar suas especialidades na prática, especialmente de forma competitiva com outras pessoas.
É o que os autores chamam de método “Top Gun” (em homenagem à escola da Marinha americana, tornada famosa pelo filme dos anos 1980). Qual a melhor forma de formar bons pilotos de caça? Colocá-los para competir uns com os outros e selecionar os melhores.
De nada adiantaria investir 10 mil horas na teoria da aviação de caça sem a possibilidade de colocá-la em prática.
Toda essa discussão é útil. No mínimo ela ajuda a distinguir o joio do trigo. Da próxima vez em que você encontrar um especialista na internet, pergunte quantas horas ele se dedicou àquele tema. Pergunte também como ele gastou essas horas. Depois de fazer isso, você terá uma baliza melhor para levar ou não a opinião da pessoa em consideração.
READER
Já era Monopólio da opinião por parte de alguns poucos especialistas
Já é Desvalorização generalizada da opinião de especialistas
Já vem Renascimento do valor da opinião dos especialistas, de forma mais diversificada
Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro
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