UOL - 09/05
A cassação do habeas corpus concedido ao ex-presidente Michel Temer é uma aberração legal a endossar outra. Dois dos três integrantes da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região resolveram manter a prisão preventiva de Temer, decretada no dia 19 de março pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio. A prisão aconteceu no dia 21 daquele mês e se estendeu até o dia 25, quando, então, o desembargador Ivan Athié concedeu uma liminar libertando o ex-presidente. Na votação desta segunda, Athié reafirmou o seu voto, mas foi vencido por Abel Gomes e Paulo Espírito Santo. Temer volta para a prisão nesta terça. Agora, sua defesa tem de entrar com um habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. Um sinal da tragédia destes tempos: os dois juízes que cassaram a liminar reconheceram que a prisão não tem amparo na lei. Tratar-se-ia, como deixaram claro, de uma satisfação à sociedade. Creiam: como país, vamos sorrindo para o abismo.
Quando Bretas decretou a prisão preventiva de Temer, ele já mandou às favas o Artigo 312 do Código de Processo Penal. Sua decisão está aqui. Como afirmei, então, é uma leitura porca do texto legal que tem permitido essas prisões arbitrárias. O que diz mesmo a lei? Terei de relembrar:
"A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria"
Para decretar uma prisão preventiva, é preciso que, dada a circunstância, então, do crime comprovado e do indício de autoria, esse possível autor esteja incidindo NO PRESENTE, NO TEMPO EM QUE SE DECRETA A PRISÃO, em ao menos uma das quatro transgressões: a) praticando crime contra a ordem pública, b) contra a ordem econômica, c) tentando dar sumiço a provas ou assediando testemunhas ou, ainda, d) dando indícios de que pretende fugir, o que impediria a aplicação da lei penal.
Como já destaquei neste blog, das 46 páginas do despacho em que manda prender Temer e outros, Bretas gasta ao menos 34 tentando explicar a prisão. Sem conseguir. Afrontou gostosamente o direito, a língua e a lógica.
Não tendo como justificar o ato arbitrário, Bretas apela, então, à condição social do preso, o que tem se tornado prática corriqueira na Lava Jato. Escreveu:
"Avaliando os elementos de prova trazidos aos autos, em cognição sumária, considero que a gravidade da prática criminosa de pessoas com alto padrão social, mormente políticos nos mais altos cargos da República, que tentam burlar os trâmites legais, não poderá jamais ser tratada com o mesmo rigor dirigido à prática criminosa comum."
Aí está admitido, então, o que ele mesmo considera um rigor incomum. Mas notem: Bretas continua apegado apenas à suposta existência do crime com indício de autoria. Nem Ministério Público nem juiz foram capazes de apontar que risco Temer representaria à sociedade e à investigação se estivesse livre.
Estamos diante do mais escancarado e desastroso populismo judicial. Observem: eu, pessoalmente, acho ridículas as acusações contidas contra Temer no pedido de prisão preventiva apresentado pelo Ministério Público. Não custa lembrar: o MP o acusa de pertencer a uma organização criminosa que estaria em vigor há, pasmem!, 40 anos, que já teria se envolvido com operações da ordem de R$ 1,8 bilhão entre propinas pagas e prometidas. Há 40 anos, ele era professor de direito em Itu e nem tinha iniciado carreira da vida pública. Como é que se chegou a esse cálculo estúpido? A propósito: como se faz a conta, ao longo de quatro décadas, de propinas pagas e prometidas?
Acontece, meus caros, que havia a disposição para prender. E ponto. Na absurda entrevista coletiva que se seguiu à prisão, em que MPF e PF acusaram Temer de práticas criminosas que não estavam no pedido de prisão nem no despacho de Bretas, o coordenador da Lava Jato no Rio, Jorge El-Hage, afirmou a seguinte pérola:
"É preciso deixar claro aqui que estranho seria se Michel Temer não tivesse sido preso. A prisão dele é decorrência lógica de todos os crimes que ele praticou durante uma vida inteira, pertencendo a uma organização criminosa muito sofisticada"
PRISÃO PREVENTIVA NÃO É JULGAMENTONotem: vocês podem até estar entre aqueles que acham que todas as acusações são verdadeiras. Ocorre que estamos falando sobre prisão preventiva. Se o crime aconteceu ou não, se há provas ou não, isso tudo tem de ficar para o julgamento, quando, então, se dá a sentença. Para prender alguém preventivamente antes da condenação, é preciso que a pessoa esteja cometendo crimes no presente, que esteja atrapalhando a instrução criminal ou que esteja prestes a fugir.
Bretas admite que o ex-presidente não está fazendo nada disso e que mandou prendê-lo por ser uma pessoa de "alto padrão social". Abel Gomes e Paulo Espírito Santo mantiveram a decisão para dar uma satisfação à sociedade. Vale dizer: manda-se alguém para a cadeia, ao arrepio da lei, porque um monte de gente que faz barulho na Internet acha ser isso o certo.
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