FOLHA DE SP - 26/03
Termos impedem a efetivação da política republicana, impessoal, que ergue instituições capazes de interpretar desafios do presente e do futuro
A política apropria-se de símbolos que, às vezes, significam nada. Deserto de ideias, campos vazios. Isso tem se dado com os termos “velha” e “nova política”.
A oferta de apoios no Congresso Nacional em troca de cargos e recursos públicos seria, por exemplo e a princípio, a expressão da “velha política”. Já sua negação, a “nova política”.
A força de clichês, que ocupam o imaginário do senso comum, faz adeptos e repetidores e amplia o fosso do desentendimento, mas na verdade expressam política nenhuma.
Claro, melhor seria se os apoios políticos se fundassem apenas em planos de governo e projetos de poder. Mas, a ocupação de espaços na máquina nem sempre é —ou não é necessariamente— ilegítima. A governabilidade pode, sim, corresponder à formação de coalizões e na participação de aliados nos diversos níveis de poder, conquanto existam projetos sólidos e acordos republicanos.
O mau não está na composição, mas na voracidade fisiológica que, na lógica competitiva do jogo político eleitoral, transforma-se em luta obsessiva por mais e mais cargos e emendas ao orçamento, loteamento de estatais. Apetites nunca saciados e feitos em nome de interesses particulares ou paroquiais.
Para isso haveria remédio: transparência, publicidade e limites claros, sempre de conhecimento geral. Acordos, uma vez fechados precisam ser honrados, sem novas rodadas de negociação ou novo dispêndio para os cofres públicos. O presidencialismo de coalizão se desenrola em ambientes assim. Em inúmeros países, isso acontece.
Contudo, uma vez adotado, o conceito de “velha política” deveria ser mais rigoroso. Velha também é a confusão entre público e privado, o espaço do Estado como o ambiente da família; a advocacia oculta de interesses privados, a existência de relações perigosas —no mínimo comprometedoras— com grupos que vão de prestadores de obras e serviços até a intimidade com o crime organizado ou mesmo com o crime comum.
Velho é o corporativismo de grupos organizados pela manutenção de privilégios; o recurso ao foro especial, a prática de “laranjas” eleitorais, de “rachadinhas” de gabinete, a suspeita proximidade com as milícias. O envolvimento da família presidencial com questões do Estado é nada republicano. Assim como a ideologização das Relações Internacionaisou a transformação da Educação num latifúndio doutrinário não são elementos novos nem saudáveis. Nada disto é novo e serve apenas para aprofundar drama e prolongar o atraso.
Há enorme imprecisão nos dois termos. Eles que servem apenas para tergiversação, usados em trincheiras de uma guerra semântica vazia geram confusão e ignorância, aumentam o dissenso ao mesmo tempo em que impedem a efetivação da Grande Política. A política republicana, impessoal, que ergue instituições capazes de interpretar desafios do presente e do futuro, diagnosticando problemas reais, construindo diálogos na tentativa de uma unidade possível, na sociedade naturalmente diversa. Ser republicano, no Brasil, seria algo absolutamente novo.
Mas não há política alguma quando os líderes não se conectam com a totalidade da nação mais do que com núcleo de seus eleitores; quando não expressam projetos claros, baseados na construção do futuro mais que a destruição do presente. A política foi inventada para somar, não dividir. Ela não se perde com moinhos de vento, na obsessão com sombras e fantasmas que já morreram ou nunca existiram. Grande Política que não se realiza com almas pequenas nem atores minúsculos.
Carlos Melo é cientista político e professor do Insper
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