quarta-feira, outubro 17, 2018

Tudo chute - J.R. GUZZO


Tudo chute - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA 16 out 2018
Bolsonaro iria perder de ”qualquer adversário” no segundo turno


As últimas pesquisas de “intenção de votos” que estão circulando na praça dizem, em números redondos, que Jair Bolsonaro está com cerca de 60% das preferências do eleitorado, contra 40% de Fernando Haddad. Mas esperem um momento: deve haver alguma coisa errada aí. Até às vésperas da votação do primeiro turno, todas as pesquisas (e a mídia insistia muito nesse ponto: todas as pesquisas) garantiam que Bolsonaro iria perder de qualquer dos outros candidatos no segundo turno. Repetindo: de qualquer candidato. Nove em cada dez análises se fixavam na importância terminal desta informação vinda da ciência estatística. Podia se contar com diversos cenários, mas uma coisa pelo menos estava certa, acima de toda e qualquer dúvida: o candidato da direita iria perder a eleição no segundo turno, seja lá o adversário que sobrasse para a disputa com ele. Até o Meirelles? Aparentemente, não chegaram a medir a coisa nesses detalhes, mas as manchetes diziam que Bolsonaro perderia de todos os candidatos no segundo turno, e como Meirelles (ou o cabo Daciolo, ou o Boulos, ou o Amoedo, ou o Álvaro Dias etc.) eram candidatos, sempre dá para dizer, tecnicamente, que até essas nulidades iriam ganhar dele. Não aconteceu nada de extraordinário de lá para cá. Porque, então, as pesquisas preveem agora exatamente o oposto do que previam cinco minutos atrás?

Os institutos de pesquisa fariam uma especial gentileza ao público se explicassem, em umas poucas palavras compreensíveis, por que seus números devem ser levados a sério no segundo turno, se mostram agora o contrário do que mostravam no primeiro. Não conseguindo fazer isso, talvez ficasse mais simples dizer o seguinte às pessoas: “Esqueçam o que a gente deu no primeiro turno. Era tudo chute”. Chute ou torcida, tanto faz, porque uma coisa é tão ruim quanto a outra e, no fim das contas, nenhuma das duas será cobrada. Como sempre acontece, se Bolsonaro ganhar mesmo as eleições, os autores das pesquisas dirão que ficou provado o quanto eles acertaram – pois o resultado que costuma sobrar na memória é o último. Daqui a pouco, contando com esquecimento geral por parte do público, estarão propondo novas profecias para quem estiver interessado. E em 2022, ou já em 2021, prepare-se para ler que Lula está na frente de todo mundo com 50%, que Marina está subindo e Ciro Gomes começa a crescer. Bolsonaro, se for eleito agora e se candidatar à reeleição, estará com 0%. Na reta final os números serão ajustados de novo (“ocorreram mudanças no processo decisório”) e tudo continuará como sempre foi.

As pesquisas eleitorais de 2018 deixaram claro, mais que em qualquer eleição anterior, o quanto elas estão sendo incapazes de medir aquilo que está realmente na cabeça do eleitor. Foi um desastre. Dilma Rousseff foi garantida como a senadora mais votada do Brasil e ficou num quarto lugar em Minas Gerais. O senador de São Paulo Eduardo Suplicy, outro “eleito” pelas pesquisas, foi exterminado após 27 anos de Senado. Houve erros grotescos nas pesquisas para governador de Minas e Rio de Janeiro – os que acabaram colocados em primeiro lugar tinham 1% dos votos, ou nada muito diferente disso, até poucos dias antes da eleição. Geraldo Alckmin ficou com menos de 5% dos votos. Marina Silva ficou com 1%. No Nordeste, que foi citado durante seis meses seguidos como o grande celeiro de onde Lula poderia operar a sua “volta”, o PT teve 10 milhões de votos a menos que em 2014. Das sete capitais da região, perdeu em cinco. Erros deste tamanho, por mais que os institutos neguem, são sintoma de alguma coisa profundamente errada no sistema todo. Como escrito acima, tudo isso tende a cair rapidamente no esquecimento, sobretudo porque não há paciência para ficar discutindo um assunto que não interessa mais até a próxima eleição. Mas o problema não vai sumir só porque não se falará mais nele.

As pesquisas, com certeza, não conseguiram captar as correntes que se movimentam no oceano da internet e do mundo digital como um todo. Não entenderam nada sobre o peso que as redes sociais tiveram no processo eleitoral. Seus questionários podem não estar fazendo as perguntas certas, na maneira certa, na hora e no lugar certos. Na disputa nacional, o papel da propaganda obrigatória na televisão, tido como algo sagrado, mostrou que está valendo zero – e as pesquisas não estavam preparadas para isso, nem para o efeito nulo dos “debates” entre candidatos na TV, das opiniões dos comentaristas políticos e da orientação geral da mídia. Está surgindo um mundo novo por aí. Não será fácil para ninguém começar a entender como ele vai funcionar. Uma boa razão, portanto, para começar já o esforço.

4 comentários:

Lovely Man disse...

Eu não conheço o cidadão jornalista da renomada Veja, mas recomendo a ele que estude antes de escrever algo que lhe vem á cabeça. Vou explicar: a pesquisa é de INTENÇÃO DE VOTO, que como o nome diz é a resposta que o pesquisado dá ao entrevistador NAQUELE MOMENTO, ou seja por isso que se avalia nesse histórica das datas anteriores e posteriores ao evento para ler a TENDENCIA.

Eu juro que mesmo sendo ignorante em vários assuntos, tenho este tema incompreendido do começo ao fim pelo JR Guzzo é absolutamente basal numa eleição.

Já ouviu falar em Voto ütil, de vergonha, de protesto, de conveniência, de ajuda?
Por isso que ninguém mais lê essa revista.

Diego disse...

A arrogância que revela a total e absoluta imbecilidade do comentárista "homem amável" revelam a mania brasileira de sempre defender o indefensável mesmo que esta exploda na sua cara. No mais, excelente artigo de Jrguzzo que refletiu com exatidão a situação patética de flagrante incompetência e até má fé desses institutos de pesquisas, medalhões da manipulação. Grato por compartilhar!

Anônimo disse...

Calma, pessoal. Talvez a cintundente discordância na interpretação do texto do articulista reflita a nervosia que tem acompanhado opiniões divergentes que deveriam ser aceitas com naturalidade num regime (que se diz) democrático. Sem ofensa, com argumentos sólidos e respeito à divergência podemos aprender, refletir e tomar boas decisões.

Lovely Man disse...

Eu não ligo. Vou tentar explicar de novo sem ser arrogante, talvez tenha ferido interesses, não sei. Eu não faço parte de nenhum instituto mas sei que o que faltou ao articulista argumentar melhor no que as pesquisas erraram ou manipularam ao gosto do freguês, não importando qual sua leitura mas que elas sempre têm o gosto do "viés", algo muito fraco para colocar desconfiança uma vez que praticamente todos os institutos, especialmente aqueles que se associaram e mesmo encomendaram as enquetes com a grande mídia, entidades de classe, etc não querem enxergar uma fotografia bonita, eles vêem o filme todo com ênfase especial aos reflexos das ações de campanha, etc. Logo, ao criticar as previsões e mudanças de comportamento do eleitor, é preciso tirar delas o que a tendência mostrou em qualquer um de seus indicadores, cruzar com os resultados. não vi nada extraordinario que tenha acontecido até o momento. O clichê de colocar nas costas dos institutos a falta de previsibilidade é coisa feita para leitores de headlines. Ou seja, não dá pra ser raso como foi o articulista e questionar porque os números mudaram de uma hora pra outra...