O estágio final do processo do controle de preços dos derivados de petróleo é a Argentina de 2015 e sua máquina de gasto público
Os mais velhos devem ter percebido que o título do artigo é o do livro de Barbara Tuchman — recentemente lembrado por Marcos Lisboa — que aponta como uma sucessão de eventos baseados em certa lógica acabou gerando efeitos opostos aos pretendidos pelos propulsores desses eventos. É impossível não lembrar da expressão quando se assiste ao manicômio nacional.
Quando os historiadores estudarem a atual década com distanciamento, talvez as manifestações de 2013 apareçam como epicentro da análise. Ali se iniciou uma etapa que demorará para ser fechada. Naqueles dias, tivemos todo tipo de passeatas, acompanhadas de ataques a postos de pedágio, bancos etc. No Rio, bandos fecharam avenidas e, num dos dias, o BarraShopping — que deixa de abrir apenas três ou quatro dias no ano — fechou, por falta de condições de funcionamento. A catarse começou pelos protestos contra o aumento da tarifa de ônibus, que grosso modo acompanhava a inflação e foi recebida pela mídia com a exaltação da “reivindicação de direitos justos”, sem reparar no que representava: a quebra de contratos a granel, colocando por terra a segurança jurídica. Desde então, o flerte com a anarquia aumentou. Se continuarmos assim, podemos vislumbrar dois desfechos em perspectiva: continuaremos nossa caminhada em câmera lenta rumo a um Estado desfuncional; ou o pedido de restabelecimento da ordem aumentará. Nesse caso, não vamos dourar a pílula: haverá uma demanda maior por uma intervenção militar. É esse o futuro ao qual aspiramos?
A impopularidade das instituições é tal que qualquer um se sente no direito de bloquear uma estrada fazendo discurso contra os “políticos ladrões” e a carga tributária e pode ser recebido com júbilo por motoristas com a bandeira do Brasil. Uma coisa é fazer greve. Outra muito diferente é impedir o abastecimento do país. Quando a interrupção de estradas ocorre em centenas de pontos, com festa e congratulação, sejamos francos: um país que age assim sabe o que não quer, mas não sabe o que quer.
O que o país presenciou na paralisação dos caminhoneiros e nas críticas à Petrobras foi o que chamo de “kirchnerismo em seu mais alto grau”. Todos os grupos políticos, sem exceção, se deixaram levar por um populismo avassalador. Por que essa denominação? Pelo paralelo com o que aconteceu no Governo Cristina Kirchner. Diante de reclamações acerca dos custos da energia, o governo lá determinou a fixação de limites para preços como energia elétrica, gás e combustíveis — em nome da justiça social. Como a gasolina barata beneficia tanto o morador de uma villa miseria de Avellaneda quanto o dono de uma 4x4 morador de Palermo, em pouco tempo o Orçamento se converteu numa fábrica de gasto público para compensar o que as empresas deixavam de receber. O crescimento do fenômeno levou a uma exacerbação da inflação, cujo desfecho foi a intervenção no IBGE argentino para “desenhar” um índice fake. Isso deixou sequelas tão profundas na Argentina que o atual governo está tendo grandes dificuldades para reverter o processo, dado o apego do cidadão médio a esse status quo que revelou-se insustentável. Que fique claro: o estágio final do processo que começa com o controle de preços dos derivados de petróleo é a Argentina de 2015 e sua máquina monstruosa de gasto público sem sentido. O Orçamento deve servir para financiar a saúde e a segurança — e não para compensar tarifas subsidiadas.
No episódio recente, o que mais se ouviu foram falsas soluções. Houve críticas ao Fundo Partidário, esquecendo que R$ 3 bilhões não são nada frente ao R$ 1,6 trilhão da despesa primária federal. Ou a defesa da privatização da Petrobras, esquecendo que na Argentina de Cristina as empresas de energia afetadas pelo controle de preços eram todas privadas. E críticas aos impostos, sem uma única palavra contra as aposentadorias precoces. Não nos enganemos: um país onde ninguém pensa no bem comum tem um encontro marcado com o caos. O Brasil precisa de diálogo e soluções racionais — e o que temos visto é cacofonia e a defesa do pensamento mágico na economia. Ou o Brasil aprende a respeitar a Lei e seguir as regras do capitalismo ou nosso futuro será sombrio. Será uma espécie de suicídio gradual. Em matéria de desordem econômica, a Venezuela é logo ali.
Fabio Giambiagi é economista
Os mais velhos devem ter percebido que o título do artigo é o do livro de Barbara Tuchman — recentemente lembrado por Marcos Lisboa — que aponta como uma sucessão de eventos baseados em certa lógica acabou gerando efeitos opostos aos pretendidos pelos propulsores desses eventos. É impossível não lembrar da expressão quando se assiste ao manicômio nacional.
Quando os historiadores estudarem a atual década com distanciamento, talvez as manifestações de 2013 apareçam como epicentro da análise. Ali se iniciou uma etapa que demorará para ser fechada. Naqueles dias, tivemos todo tipo de passeatas, acompanhadas de ataques a postos de pedágio, bancos etc. No Rio, bandos fecharam avenidas e, num dos dias, o BarraShopping — que deixa de abrir apenas três ou quatro dias no ano — fechou, por falta de condições de funcionamento. A catarse começou pelos protestos contra o aumento da tarifa de ônibus, que grosso modo acompanhava a inflação e foi recebida pela mídia com a exaltação da “reivindicação de direitos justos”, sem reparar no que representava: a quebra de contratos a granel, colocando por terra a segurança jurídica. Desde então, o flerte com a anarquia aumentou. Se continuarmos assim, podemos vislumbrar dois desfechos em perspectiva: continuaremos nossa caminhada em câmera lenta rumo a um Estado desfuncional; ou o pedido de restabelecimento da ordem aumentará. Nesse caso, não vamos dourar a pílula: haverá uma demanda maior por uma intervenção militar. É esse o futuro ao qual aspiramos?
A impopularidade das instituições é tal que qualquer um se sente no direito de bloquear uma estrada fazendo discurso contra os “políticos ladrões” e a carga tributária e pode ser recebido com júbilo por motoristas com a bandeira do Brasil. Uma coisa é fazer greve. Outra muito diferente é impedir o abastecimento do país. Quando a interrupção de estradas ocorre em centenas de pontos, com festa e congratulação, sejamos francos: um país que age assim sabe o que não quer, mas não sabe o que quer.
O que o país presenciou na paralisação dos caminhoneiros e nas críticas à Petrobras foi o que chamo de “kirchnerismo em seu mais alto grau”. Todos os grupos políticos, sem exceção, se deixaram levar por um populismo avassalador. Por que essa denominação? Pelo paralelo com o que aconteceu no Governo Cristina Kirchner. Diante de reclamações acerca dos custos da energia, o governo lá determinou a fixação de limites para preços como energia elétrica, gás e combustíveis — em nome da justiça social. Como a gasolina barata beneficia tanto o morador de uma villa miseria de Avellaneda quanto o dono de uma 4x4 morador de Palermo, em pouco tempo o Orçamento se converteu numa fábrica de gasto público para compensar o que as empresas deixavam de receber. O crescimento do fenômeno levou a uma exacerbação da inflação, cujo desfecho foi a intervenção no IBGE argentino para “desenhar” um índice fake. Isso deixou sequelas tão profundas na Argentina que o atual governo está tendo grandes dificuldades para reverter o processo, dado o apego do cidadão médio a esse status quo que revelou-se insustentável. Que fique claro: o estágio final do processo que começa com o controle de preços dos derivados de petróleo é a Argentina de 2015 e sua máquina monstruosa de gasto público sem sentido. O Orçamento deve servir para financiar a saúde e a segurança — e não para compensar tarifas subsidiadas.
No episódio recente, o que mais se ouviu foram falsas soluções. Houve críticas ao Fundo Partidário, esquecendo que R$ 3 bilhões não são nada frente ao R$ 1,6 trilhão da despesa primária federal. Ou a defesa da privatização da Petrobras, esquecendo que na Argentina de Cristina as empresas de energia afetadas pelo controle de preços eram todas privadas. E críticas aos impostos, sem uma única palavra contra as aposentadorias precoces. Não nos enganemos: um país onde ninguém pensa no bem comum tem um encontro marcado com o caos. O Brasil precisa de diálogo e soluções racionais — e o que temos visto é cacofonia e a defesa do pensamento mágico na economia. Ou o Brasil aprende a respeitar a Lei e seguir as regras do capitalismo ou nosso futuro será sombrio. Será uma espécie de suicídio gradual. Em matéria de desordem econômica, a Venezuela é logo ali.
Fabio Giambiagi é economista
Nenhum comentário:
Postar um comentário