FOLHA DE SP - 16/05
Quadro político, no entanto, não colabora para a solução do desequilíbrio nas contas públicas
Por que o dólar subiu tanto? Fácil: porque passei dez dias no exterior (Portugal, participei de prova de ciclismo no Douro, incrível, obrigado por perguntar) e sempre que viajo para fora o dólar dá um jeito de subir, pelo menos até que pague a fatura do cartão do crédito...
Entendo, porém, que nem todo o mundo compartilhe minha opinião. Nesse caso, o melhor é olhar o que está acontecendo globalmente com o dólar, que tem se valorizado diante das demais moedas mundiais, embora, é claro, não na mesma proporção. Um euro, por exemplo, comprava cerca de US$ 1,24 há cerca de um mês; hoje, compra menos do que US$ 1,20.
Parte do fortalecimento da moeda americana se deve às tensões geopolíticas. O dólar costuma ser visto como um porto seguro para aplicações, mesmo quando os Estados Unidos estão no centro da turbulência, seja ela política, como hoje, seja econômica, como, por exemplo, durante a crise financeira no final de 2008.
Outra parte da história se deve à percepção de que a inflação americana, ainda que permaneça em patamares relativamente baixos, finalmente começou a se mover.
Assim, o IPC, deduzidos alimentos e combustíveis, ultrapassou a marca de 2% nos últimos 12 meses pela primeira vez desde fevereiro do ano passado. A medida favorita do Federal Reserve, o deflator do consumo (também livre de alimentos e combustíveis), segue um pouco abaixo disso (1,9% nos 12 meses até março), mas a tendência de elevação é também visível.
Obviamente não se trata de aceleração descontrolada, longe disso, mas tais números se traduzem em probabilidades mais elevadas de aumentos da taxa de juros americana além do que era esperado no começo do ano. Assim, a taxa de juros de dez anos do Tesouro americano, que embute as perspectivas de alterações das taxas de juros mais curtas, veio de 2,5% anuais para 3,0% ao ano do começo de 2018 para cá.
Aos poucos, portanto, as condições financeiras vão finalmente se normalizando, dez anos depois da crise de 2008. Isso significa que a enorme liquidez mundial que caracterizou esse período deve declinar gradualmente, processo liderado pela economia cuja recuperação foi mais longe, os Estados Unidos, o que, naturalmente, implica dólar mais forte.
A reação de cada moeda, contudo, não deve ser, a princípio, a mesma, muito embora o impulso original o seja. Características específicas de cada país, como a extensão do seu desequilíbrio externo (portanto, a necessidade de recorrer a capitais internacionais) ou problemas fiscais, modulam a resposta das moedas à mudança internacional.
Assim, moedas de países com elevados desequilíbrios externos, como a lira turca, sofreram forte desvalorização.
Já no caso do Brasil o problema é, como de praxe, fiscal. A dívida governamental já ultrapassou 75% do PIB (Produto Interno Bruto), e o déficit operacional recorrente do setor público permanece na casa de 5% do PIB.
Mais relevante, porém, do que os números é a noção de que o quadro político não colabora para a solução dos desequilíbrios nas contas públicas. Pelo contrário, o que se vê é o predomínio da hostilidade ao processo reformista e, portanto, a desvalorização da moeda.
Prevalece, apesar disso, o fato de o país ser credor em moeda estrangeira, fenômeno que limita a realimentação da fraqueza do real para os balanços dos setores público e privado. Isso não soluciona a questão fiscal, mas ganha tempo para o país decidir se irá (ou não) tomar o rumo correto.
Alexandre Schwartsman
Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
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