Reflexão representa desafio de dimensões comparáveis ao que a Petrobras encarou com fim do monopólio de petróleo
Quem anda pela Europa deve ter visto as placas de lojas onde está escrito “Existente desde 1785” ou uma frase do gênero. Num mundo em transformação, é importante estar aberto para as novidades. Por outro lado, o cliente tende a considerar que se entra numa loja que existe há 200 anos, dificilmente será mal servido, pois uma empresa que não atendesse bem à sua freguesia não teria condições de apresentar tanta resiliência.
Algo assim ocorre com as instituições. O Banco Central da Inglaterra tem mais credibilidade que o de um país africano que tenha sido colônia durante 400 ou 500 anos, tenha sido governado por um déspota durante 30 ou 40 anos e só agora esteja dando os primeiros passos no aprendizado da democracia.
Em matéria institucional, o Brasil está na “Série B”. Não pertencemos à “terceira divisão” dos países muito jovens e desorganizados, mas estamos longe de nações onde a estabilidade já é rotina, como Suécia, Alemanha etc.
Por sua vez, na teia complexa que é um país, no Brasil temos de tudo, desde instituições que funcionam entre razoavelmente bem e muito bem — Itamaraty, Banco Central, Justiça Eleitoral etc., para citar algumas das mais importantes — até outras com a imagem bastante prejudicada, que é melhor não citar, para não ferir suscetibilidades.
Nesse contexto, o BNDES — onde, devo informar, trabalho há 34 anos — é uma instituição que, em termos de idade, corresponde a um senhor de 66 anos, pois foi fundado em 1952. Teve muito mais sucesso que o Banco Nacional de Habitação (BNH), banco outrora importante que “capotou” nos anos 80. Por outro lado, não há como negar que já esteve melhor do que atualmente diante da opinião pública, tendo sofrido, ao longo dos últimos anos, uma série de questionamentos que afetaram sua imagem como empresa e marca.
Com o passar do tempo, algumas das questões foram sendo esclarecidas ou endereçadas, especialmente desde meados da década. A mudança de gestão do BNDES no atual governo implicou uma reorientação parcial das ações do banco, com a adoção de políticas operacionais mais horizontais; uma parte não desprezível da dívida expressiva mantida com o Tesouro Nacional foi amortizada, processo esse que já foi anunciado que se acentuará em 2018; houve uma adaptação do tamanho das operações à nova situação; aos poucos, alguns dos problemas creditícios foram sendo resolvidos; na prática, muitos dos questionamentos de órgãos de controle acabarão sendo dirimidos pela Justiça em função das diferenças de interpretação e da defesa feita pelo banco acerca da pertinência de suas ações; tivemos duas CPIs sobre o banco que não identificaram nenhum evento que maculasse o padrão ético dos seus funcionários etc. Permanece, porém, a grande pergunta: qual será a função do BNDES no futuro?
Face às novas demandas da sociedade e da economia, o banco está passando por um processo de reflexão estratégica que representa um desafio de dimensões comparáveis ao que a Petrobras encarou quando acabou o monopólio de petróleo. Naquela ocasião, um ciclo se fechava para a empresa, que soube se adaptar bem à situação representada pelo novo ambiente no qual passou a operar. Analogamente, no Brasil da TLP e da convergência de taxas, o BNDES não terá o tipo de atuação do passado. Porém, haverá um papel importante ainda reservado a ele, com alguma similaridade com o que é desempenhado por outros bancos de desenvolvimento em países estáveis, como por exemplo o KfW alemão.
No futuro, as ações do BNDES estarão focadas em algumas áreas. Em primeiro lugar, o apoio à infraestrutura. Em segundo, o financiamento às micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) com restrições de acesso ao crédito. Adicionalmente, ele apoiará iniciativas geradoras de impactos positivos para a economia, como o financiamento de investimentos em transformação de modelos de negócios tradicionais, melhora das condições de saúde, sustentabilidade ambiental e apoio à inovação, às exportações e ao desenvolvimento do mercado de capitais. Conservado o nível técnico da sua equipe, com as novas diretrizes, a instituição poderá estar pronta para se inserir no esforço do país para se reerguer da crise nos próximos anos, já superadas as críticas que marcaram a sua atuação no passado recente.
Fabio Giambiagi é economista
Quem anda pela Europa deve ter visto as placas de lojas onde está escrito “Existente desde 1785” ou uma frase do gênero. Num mundo em transformação, é importante estar aberto para as novidades. Por outro lado, o cliente tende a considerar que se entra numa loja que existe há 200 anos, dificilmente será mal servido, pois uma empresa que não atendesse bem à sua freguesia não teria condições de apresentar tanta resiliência.
Algo assim ocorre com as instituições. O Banco Central da Inglaterra tem mais credibilidade que o de um país africano que tenha sido colônia durante 400 ou 500 anos, tenha sido governado por um déspota durante 30 ou 40 anos e só agora esteja dando os primeiros passos no aprendizado da democracia.
Em matéria institucional, o Brasil está na “Série B”. Não pertencemos à “terceira divisão” dos países muito jovens e desorganizados, mas estamos longe de nações onde a estabilidade já é rotina, como Suécia, Alemanha etc.
Por sua vez, na teia complexa que é um país, no Brasil temos de tudo, desde instituições que funcionam entre razoavelmente bem e muito bem — Itamaraty, Banco Central, Justiça Eleitoral etc., para citar algumas das mais importantes — até outras com a imagem bastante prejudicada, que é melhor não citar, para não ferir suscetibilidades.
Nesse contexto, o BNDES — onde, devo informar, trabalho há 34 anos — é uma instituição que, em termos de idade, corresponde a um senhor de 66 anos, pois foi fundado em 1952. Teve muito mais sucesso que o Banco Nacional de Habitação (BNH), banco outrora importante que “capotou” nos anos 80. Por outro lado, não há como negar que já esteve melhor do que atualmente diante da opinião pública, tendo sofrido, ao longo dos últimos anos, uma série de questionamentos que afetaram sua imagem como empresa e marca.
Com o passar do tempo, algumas das questões foram sendo esclarecidas ou endereçadas, especialmente desde meados da década. A mudança de gestão do BNDES no atual governo implicou uma reorientação parcial das ações do banco, com a adoção de políticas operacionais mais horizontais; uma parte não desprezível da dívida expressiva mantida com o Tesouro Nacional foi amortizada, processo esse que já foi anunciado que se acentuará em 2018; houve uma adaptação do tamanho das operações à nova situação; aos poucos, alguns dos problemas creditícios foram sendo resolvidos; na prática, muitos dos questionamentos de órgãos de controle acabarão sendo dirimidos pela Justiça em função das diferenças de interpretação e da defesa feita pelo banco acerca da pertinência de suas ações; tivemos duas CPIs sobre o banco que não identificaram nenhum evento que maculasse o padrão ético dos seus funcionários etc. Permanece, porém, a grande pergunta: qual será a função do BNDES no futuro?
Face às novas demandas da sociedade e da economia, o banco está passando por um processo de reflexão estratégica que representa um desafio de dimensões comparáveis ao que a Petrobras encarou quando acabou o monopólio de petróleo. Naquela ocasião, um ciclo se fechava para a empresa, que soube se adaptar bem à situação representada pelo novo ambiente no qual passou a operar. Analogamente, no Brasil da TLP e da convergência de taxas, o BNDES não terá o tipo de atuação do passado. Porém, haverá um papel importante ainda reservado a ele, com alguma similaridade com o que é desempenhado por outros bancos de desenvolvimento em países estáveis, como por exemplo o KfW alemão.
No futuro, as ações do BNDES estarão focadas em algumas áreas. Em primeiro lugar, o apoio à infraestrutura. Em segundo, o financiamento às micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) com restrições de acesso ao crédito. Adicionalmente, ele apoiará iniciativas geradoras de impactos positivos para a economia, como o financiamento de investimentos em transformação de modelos de negócios tradicionais, melhora das condições de saúde, sustentabilidade ambiental e apoio à inovação, às exportações e ao desenvolvimento do mercado de capitais. Conservado o nível técnico da sua equipe, com as novas diretrizes, a instituição poderá estar pronta para se inserir no esforço do país para se reerguer da crise nos próximos anos, já superadas as críticas que marcaram a sua atuação no passado recente.
Fabio Giambiagi é economista
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