O GLOBO - 20/04
Ele sempre pautou atuação na Câmara pelo esforço de extrair benesses governamentais para a clientela que o elegeu
Não é de hoje que, na esteira de uma longa história de deturpações e abusos retóricos, a palavra progressista deixou de ser levada a sério, esvaziada que foi de qualquer conotação mais consensual que já possa ter tido no debate político brasileiro. Sem ir mais longe, basta ter em conta a profusão de bandeiras “progressistas” distintas que, da esquerda à direita do espectro político, vêm sendo agora desfraldadas para a disputa das eleições de outubro. Ao eleitor bem informado, não faltam boas razões para manter distância de cada uma delas.
Próceres petistas vêm agora conclamando o partido a adiar a discussão de possíveis substitutos de Lula na eleição presidencial, até que se consiga definir uma plataforma eleitoral que possa atrair o apoio dos demais partidos de esquerda e unificar o “campo progressista”.
No Congresso, fechada a janela de infidelidade que, por um mês, permitiu que políticos trocassem à vontade de filiação, verificou-se que, de todos os partidos, o que mais se fortaleceu foi — pasme — o PP. Tendo eleito 36 deputados em 2014, passou a deter agora a segunda maior bancada da Câmara, junto com o MDB e logo abaixo do PT, com nada menos que 51 cadeiras. Com mais de 40% dos seus deputados às voltas com a Lava-Jato e operações similares, o PP parece agora preocupado com sua imagem. Seguindo o que já fizeram outras agremiações, quer mudar de nome e passar a ser conhecido por uma única palavra: Progressistas.
Mais à direita do espectro político, até mesmo Jair Bolsonaro quer passar a ter uma bandeira progressista que possa chamar de sua. Já há muito tempo, o deputado vinha promovendo sua candidatura à Presidência com base na plataforma estreita e monocórdica da segurança pública e do conservadorismo de costumes. Há poucos meses, contudo, o candidato vem sendo submetido a intenso adestramento, para que possa passar a ter um discurso minimamente articulado e crível que lhe permita, afinal, ostentar seu recém-estreado compromisso inabalável com a adoção de um programa econômico de cunho liberal.
Em alusão à Bandeira Nacional, o objetivo declarado de tal adestramento — acredite se quiser — é conseguir que a candidatura de Bolsonaro passe a combinar a defesa da ordem com a promessa de progresso. É com base nessa quimérica plataforma progressista que Bolsonaro pretende agora ser guindado à Presidência da República.
Não é preciso muito esforço para perceber que essa fantástica metamorfose, em que Bolsonaro seria transformado em inflexível defensor de um ideário econômico liberal, não tem qualquer aderência à realidade. Não passa de um devaneio de mau gosto. Na melhor das hipóteses.
Trata-se de um político já de mais de 60 anos, cheio de ideias equivocadas e com lamentável trajetória parlamentar, que se notabilizou pela truculência do seu discurso autoritário, fartamente documentada. Já no sétimo mandato de deputado federal, Bolsonaro sempre pautou sua atuação na Câmara pelo esforço sistemático de extração de benesses governamentais para a clientela que o elegeu.
Na pouca participação que teve no debate econômico, ao longo de todos esses anos, Bolsonaro jamais escondeu sua propensão visceral ao intervencionismo, sua incorrigível alma estatizante e o deprimente primitivismo das suas ideias nacionalistas. Não há programa de adestramento que possa transformá-lo, da noite para o dia, no prometido paladino do liberalismo econômico.
A verdade verdadeira é que Bolsonaro, tomado pelo que de fato é, e não por fantasias do que poderia vir a ser, não tem nem estatura nem preparo para ser presidente. Além de outras carências fatais, faltam-lhe traquejo, habilidade e trânsito no Congresso para mobilizar o amplo e crucial apoio parlamentar que se fará necessário para a superação da crise atual
A esta altura, em meio ao atoleiro em que foi metido, o país já deveria ter aprendido, de uma vez por todas, quão desastroso pode ser entregar a Presidência da República a uma pessoa patentemente despreparada para o exercício do cargo.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
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