A decisão do presidente Michel Temer de decretar intervenção federal no Rio de Janeiro não foi precedida de nenhum planejamento. A se acreditar nas palavras do próprio Temer, a drástica medida, inédita desde a redemocratização do País, resultou não de uma indispensável reflexão com assessores e conselheiros nem de estudos sólidos sobre a extrema complexidade do cenário da intervenção, mas apenas da aflição de alguns dos auxiliares próximos do presidente com os “fatos dramáticos” registrados pelo noticiário durante o carnaval no Rio – ainda que os crimes desse período não tenham diferido, em quantidade e em violência, do que infelizmente vem acontecendo diariamente, há tempos, naquele Estado. A decisão de Temer, tenha ela sido motivada por esse espírito impulsivo ou por sabe-se lá que considerações de caráter político, tem sido até aqui uma coleção de improvisos.
Os sintomas dessa precariedade surgiram logo que a decisão sobre a intervenção foi tornada pública, na noite de quinta-feira passada. O decreto ainda não estava pronto quando a medida foi anunciada. Depois que seu texto foi divulgado, soube-se que o interventor seria o general Walter Souza Braga Netto, comandante militar do Leste, que só foi informado sobre sua nova função horas antes da assinatura do decreto. No sábado, o presidente Michel Temer reuniu-se no Rio de Janeiro com autoridades locais e federais, além do interventor Braga Netto, para, segundo se esperava, alinhar as estratégias necessárias para fazer valer o que estipula o decreto. No entanto, nada ficou acertado – oficialmente, o governo informou que a intervenção ainda estava em fase de “planejamento”, a despeito do fato de que o decreto já está em vigor e que, por óbvio, o planejamento deveria estar pronto há muito tempo.
Na falta do que anunciar como plano objetivo para a intervenção, o presidente da República informou aos jornalistas, à saída do encontro, que vai criar um Ministério da Segurança Pública, cujas funções tampouco são conhecidas, pois, como se sabe, segurança pública é atribuição dos Estados, conforme manda a Constituição. Esse detalhe, contudo, não foi impedimento para que imediatamente brotassem especulações sobre quem deverá comandar a tal nova pasta.
Diante de tantas incertezas, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, pediu ao presidente Temer um “decreto presidencial complementar”, detalhando os pontos que o decreto original não esclarece. Tais pormenores são fundamentais pela simples razão de que os generais não foram consultados sobre a intervenção e somente agora poderão fazer suas ponderações. Ou seja, é com o decreto em vigor que as Forças Armadas terão de discutir seus aspectos práticos, algo que obviamente deveria ter precedido a implementação de medida tão grave. Isso não só não aconteceu, como o interventor nomeado, que estava de folga com a família no carnaval, confessou, na entrevista coletiva em que se anunciou a intervenção, que não tinha muito o que dizer pois havia “acabado de receber a missão”.
Em meio a muitas dúvidas, há uma certeza: é o governo federal quem vai bancar os custos da intervenção, conforme acentuou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). E isso é um achado para Estados falidos que, sem condições de prover o mínimo necessário à população, encontraram a fórmula ideal para transferir para a União sua responsabilidade pela crise e passar a conta para os contribuintes dos outros Estados. Além disso, todo o ônus de um eventual fracasso da intervenção será sempre do presidente.
Assim, na base do improviso, o governo federal assumiu uma responsabilidade que não lhe compete. Sua atribuição é manter as contas públicas em ordem, e não sanear a polícia corrupta de um Estado arruinado por anos de desmandos cometidos por governantes eleitos pelo voto da mesma população que hoje pede socorro. Ao abandonar a crucial reforma da Previdência para intervir na segurança pública no Rio sem um plano muito bem definido, o governo Temer parece contar com nada mais que a sorte.
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