Promotores, juízes, desembargadores e ministros não aguentam o teste da lanchonete da rodoviária
O juiz Marcelo Bretas resolveu passar de símbolo da faxina das roubalheiras do Rio de Janeiro a ícone dos penduricalhos do Judiciário. Contrariando uma resolução do Conselho Nacional de Justiça e respondendo a um questionamento da Ouvidoria da Justiça Federal, cobrou num tribunal o seu auxílio-moradia e o de sua mulher, também juíza.
Bretas sempre morou no Rio, e o casal obteve um penduricalho de R$ 8.600 mensais. Num cálculo grosseiro, para pagar uma quantia dessas à Viúva, uma pequena empresa que pague impostos pelo regime de lucro presumido precisa faturar R$ 5 mil por dia.
Bretas não é o único juiz ou promotor beneficiado pelo penduricalho. A desembargadora Marianna Fux, dona de dois apartamentos no Leblon, também recebe auxílio-moradia. Seu pai, o ministro Luiz Fux, reteve por três anos no Supremo Tribunal Federal o processo que contesta a legalidade do mimo classista.
Quando as repórteres Daniela Lima e Julia Chaib revelaram a bizarrice de Bretas, ele se explicou com a ironia dos poderosos: “Pois é, tenho esse ‘estranho’ hábito. Sempre que penso ter direito a algo eu vou à Justiça e peço. Talvez devesse ficar chorando num canto, ou pegar escondido ou à força. Mas, como tenho medo de merecer algum castigo, peço na Justiça o meu direito.”
Pegar escondido ele não pega, mas se o doutor tem medo de castigo, não deve levar seu pleito ao balcão de uma lanchonete da rodoviária. Lá, trabalhadores que esperam pelo transporte teriam dificuldade para entender como juízes ou promotores, cujos salários iniciais estão em R$ 27.500 ou R$ 26.125, precisam de R$ 4.300 de auxílio-moradia para trabalhar na cidade em que sempre viveram. No caso de Bretas, ele deveria explicar como um casal precisa de mais R$ 4.300, morando na mesma casa.
Os penduricalhos transformaram-se numa ferida na cara do Judiciário, agravada pela má qualidade da argumentação dos doutores na defesa do mimo. Argumentam que outros servidores também recebem a prebenda. Dois erros nunca somaram um acerto. O juiz Roberto Veloso, presidente da guilda dos juízes federais, chegou a dizer que um magistrado não pode ter tranquilidade para trabalhar “se o advogado que está a seu lado está ganhando mais que ele”. Parolagem de má qualidade. Para recolher em impostos o que o casal Bretas recebe de auxílio-moradia (noves fora o salário), um advogado precisa faturar R$ 70 mil por mês. Além disso, juiz não fica sem clientes, mesmo sendo um mau servidor. Em São Paulo, um juiz condenado por extorsão está em regime semiaberto e em agosto recebeu R$ 52 mil pela sua aposentadoria.
A Lava-Jato colocou o Judiciário no centro da política nacional. Transformado em agente da moralidade pública, esse poder está empesteado pela cobiça, pelo corporativismo e pela onipotência. Bretas decidiu simbolizar as três coisas.
Há poucos dias, o professor Conrado Hübner Mendes publicou um artigo intitulado “Na prática, ministros do STF agridem a democracia”. Uma joia de coragem, informação e lógica. Expôs baixarias, contradições e auto mistificações de ministros do Supremo. Sobraram poucos. Sua amarga conclusão: “O tribunal foi capturado por ministros que superestimam sua capacidade de serem levados a sério e subestimam a fragilidade da corte.”
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