Nunca falei com a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ). Nunca tratei Roberto Jefferson, seu pai, como professor de Educação Moral & Cívica, nem mesmo quando ele se tornou a voz a denunciar o mensalão, acusação que pegava na testa do PT. Tampouco disponho de elementos técnicos para defender a nomeação da parlamentar para o Ministério do Trabalho. Entenderam? Não vou tratar de pessoas, mas de competências e procedimentos. Assim, uma coisa eu sei: as decisões tomadas pela Justiça Federal do Rio impedido a posse de Cristiane como titular do Trabalho são uma aberração. Trata-se de um momento vergonhoso, em que se evidencia a óbvia politização do Judiciário.
Fato do dia: o juiz federal Vladimir Vitovsky, que está como substituto no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), no Rio, negou nesta segunda questão apresentada pela Advocacia-Geral da União, em embargos de declaração, para tentar derrubar a liminar que impede a posse de Cristiane. Fez ainda mais: decidiu que a 4ª Vara Federal de Niterói — que concedeu a liminar contra a posse — passa a ser a titular de outras ações do gênero, que correm em outras varas, a saber: 1ª Vara Federal de Magé, 1ª Vara Federal de Teresópolis, 14ª Vara Federal do Rio de Janeiro, 1ª Vara Federal de Nova Friburgo, 1ª Vara Federal de Campos e 1ª Vara Federal de Macaé.
A quantidade de idiotices escritas a respeito da decisão, sobretudo por cretinos de direita, os nossos falsos liberais, impressiona. Essa gente evidencia que uma eventual derrota da esquerda em 2018 não tornará o país carente de asnos. Os dois lados os produzem com proficiência prolífica, não é mesmo?
Vamos lembrar. A suspensão da posse de Cristiane é um escárnio. O juiz Leonardo da Costa Couceiro, da 4ª Vara Federal de Niterói, concedeu liminar a Ação Popular impetrada pelo valente Movimento dos Advogados Trabalhistas Independentes — quem são, a propósito, os “dependentes”? Argumentos da turma, acatados pelo juiz:
1) A deputada não teria currículo compatível com a tarefa. Atenção! Inexiste exigência de “currículo mínimo” para exercício de cargo ministerial, uma função eminentemente política. A nomeação, segundo a Constituição, é de competência exclusiva do presidente. E o doutor Couceiro não parou por aí.
2) Ele acatou outra argumentação estupefaciente, cuja veracidade nem verifiquei, mas dou de barato que seja como se diz: Cristiane teria sido condenada a pagar uma multa em processo trabalhista.
Segundo os tais advogados, com o que concordou o juiz, dados esses dois elementos — a falta de currículo e a multa —, a nomeação de Cristiane feriria a moralidade administrativa.
É um escracho.
É um acinte.
É um despropósito.
É uma provocação.
É uma aberração.
É um deboche.
A questão da falta de currículo é apenas um despropósito que nem merece outras considerações. Mostrem-me onde está a exigência. Quem deu ao juiz o direito de estabelecer filtros que não estão na lei para nomeação desta ou daquela pessoas ?
Quanto à multa trabalhista, dizer o quê? Recorrer à Justiça é um direito de todo cidadão. Defender-se também. Ainda que Cristiane venha a ser condenada, em caráter definitivo, a pagar uma multa, isso não a inabilita para o exercício de qualquer cargo público. Basta que pague, e nada mais ela deverá à Justiça.
A AGU recorreu da decisão, apegando-se à questão técnica. Nada, na lei, da à 4ª Vara Federal de Niterói competência específica para conceder aquela liminar, impedindo a posse de um ministro de Estado. O primeiro recurso teve de ser apresentado ao próprio Couceiro, que reafirmou a sua primazia. O TRF-2, por meio de Vladimir Vitovsky, sem dizer por quê — e não disse! — não apenas decidiu que a 4ª Vara é a dona da bola como passou para ela todas as outras ações. Ao governo caberá agora recorrer ao STJ. Se mantida a decisão, ainda existe o STF. O que pode acontecer? A esta altura, meus caros, não dá para prever. Estamos nos tornando a terra da insegurança jurídica e da imprevisibilidade.
Atenção! Essa constatação que faço aqui já chegou aos agentes econômicos. Grandes investidores, hoje em dia, afirmam, em conversas reservadas, que a Justiça já não pode ser considerada uma instância que vai corrigir este ou aquele abusos. Ao contrário: o que se avalia é que ela própria se tornou o território privilegiado da transgressão, da idiossincrasia e do corporativismo.
Por mais críticos do governo que possam ser analistas não-esquerdistas, cumpriria, em casos assim, olhar menos para o “quem” e mais para o “quê”. Importa menos saber a história de Cristiane e seu pai — afinal, eles passarão, como todos nós — do que a agressão a fundamento legal, que ordena o Estado de Direito. Mas, para que tal análise se faça, os nossos direitistas e liberais teriam ao menos de respeitar os fundamentos de uma democracia. E os idiotas estão ocupados demais vazando seu moralismo primitivo e azedo.
Todo mundo sabe que a nomeação de Cristiane é parte de um movimento maior que busca votos para a reforma da Previdência, sem a qual o país voltará para o buraco. Se a intenção é esta ou não, pouco me importa, porque não julgo intenções, mas avalio fatos. Eis um fato: impedir a posse da deputada no Ministério é só mais uma forma de sabotar a reforma da Previdência, que, como é sabido, conta com a quase unânime rejeição do Poder Judiciário, o mais aquinhoado dos Três Poderes com benefícios e privilégios que esmagam os pobres brasileiros.
Sim, o mundo que interessa está atento às aberrações em curso por aqui, como revela a decisão da Standard & Poor’s, que rebaixou a nota do país. O corporativismo, o moralismo tosco e a burrice estão fazendo um enorme esforço para inviabilizar o país. E, como corolário desse esforço, pavimentam o caminho da volta da esquerda ao poder.
Sob o aplauso da direita xucra.
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