Em nada ajuda na afirmação de nossas instituições – e, em última análise, da democracia brasileira – a espetacularização do julgamento no TRF-4 que vem sendo feita tanto por grupos aliados ao ex-presidente como pelos que a ele se opõem
Está previsto que no próximo dia 24 os desembargadores que compõem a 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, julgarão o recurso impetrado pela defesa do ex-presidente Lula da Silva contra a sentença do juiz Sérgio Moro, que em julho do ano passado o condenou a 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex no Guarujá.
Tratar o julgamento como mais um caso ordinário entre os milhões de processos que tramitam nas mais variadas esferas do Poder Judiciário é fechar os olhos para a realidade. Lula da Silva foi presidente da República por dois mandatos e, não obstante os severos danos que causou ao País, seja por seus crimes, seja por seus erros, ainda tem apelo popular para mobilizar uma expressiva parcela da sociedade em torno de seu nome, a ponto de tornar o seu status jurídico uma importante variável no cenário eleitoral deste ano.
Em contrapartida, em nada ajuda na afirmação de nossas instituições – e, em última análise, da democracia brasileira – a espetacularização do julgamento no TRF-4 que vem sendo feita tanto por grupos aliados ao ex-presidente como pelos que a ele se opõem.
Há os que vociferam por uma “invasão” de Porto Alegre no dia do julgamento, ou o “dia da ira”, como classificado pelo ex-ministro petista José Dirceu, que hoje tem os passos monitorados por um apetrecho eletrônico preso ao tornozelo enquanto também aguarda um julgamento que pode mandá-lo de volta à prisão.
À patética exortação, que flerta com o terrorismo, deve atender a claque de sempre, ou seja, os movimentos ditos sociais, como o MST, o MTST e as centrais sindicais que sempre atuaram mais como apêndice do Partido dos Trabalhadores do que como entidades de classe verdadeiramente engajadas na defesa daqueles que deveriam representar.
Uma medida igualmente disparatada, porém em sentido oposto, é aventada pelo Movimento Brasil Livre (MBL). Como revelou um de seus representantes, o grupo “estuda” a possibilidade de “chamar uma manifestação” na qual seria instalado um telão na Avenida Paulista para acompanhar o julgamento no TRF-4.
“Ainda são apenas ideias, mas o MBL pensa, sim, em chamar uma manifestação para o dia do julgamento. Colocar um telão para acompanhar o que acontece em Porto Alegre é uma opção. Tudo vai depender do engajamento das pessoas”, disse o youtuber Arthur do Val, do canal Mamãe Falei, designado pelo MBL para falar do tema com a imprensa.
O circo que se está armando em torno do julgamento do recurso de Lula da Silva, no próximo dia 24, serve apenas para inflamar os extremistas que já são refratários à reflexão pela própria natureza.
Além disso, toda essa movimentação disparatada serve para obnubilar o que, de fato, a sessão do TRF-4 tem de mais relevante: a demonstração do vigor do Estado Democrático de Direito no País. Em que pesem os desdobramentos políticos do futuro acórdão da Corte em Porto Alegre, trata-se, antes de tudo, de um julgamento estritamente jurídico de um cidadão que foi condenado em primeira instância pela prática de graves crimes.
Cabe ressaltar que este é apenas o primeiro julgamento de Lula da Silva. O ex-presidente é réu em outras seis ações penais no âmbito das operações Lava Jato e Zelotes. É bom que o País conviva naturalmente com a ideia de um ex-presidente ser processado criminalmente, ainda que, é evidente, isso não seja desejável.
É do jogo político que cada grupo defenda a versão que melhor lhe convier sobre o julgamento. Seu partido chega até a dizer que o ex-presidente é vítima de lawfare, ou seja, de uma perseguição política por meio de instrumentos judiciais. Nada de novo nisso. O que não pode ser permitido, seja do lado que for, é a pressão indevida sobre o Poder Judiciário e a agressão a qualquer direito dos cidadãos nas cidades onde Lula da Silva será julgado. Para estes casos, a Polícia Militar deve ser acionada para fazer valer o que manda a Constituição.
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