Reconhecer a realidade é um dom e, trabalhar com ela, prova de inteligência. A disputa presidencial em andamento, a um ano de sua realização, carece dessas qualidades, como está se configurando. Tudo parece arcaico, uma repetição das experiências mal sucedidas, enquanto todos esperam por um milagre.
Que não virá. Não foi por acaso que os últimos Presidentes da República chegaram aos seus cargos. O populismo fácil ajudou muita gente, por oportunismo de época, e ainda pode ajudar hoje, não sai de moda. O país não avançou ao ponto de perceber sempre quando está sendo enganado. Mas organização e construção da proposta foram fundamentais em outras ocasiões, cada vez mais percebidas pelo eleitorado.
Juscelino Kubitscheck tinha vivência de prefeito, de constituinte, de deputado federal, mas quando resolveu ir mais longe plantou meticulosamente os alicerces da caminhada. A partir do apoio do PSD, construiu uma base física sólida, toda semana ia a um Estado, hospedava-se em casa de aliados naquele local, resolvia os problemas do grupo e, quando precisou, a consequência da preparação apareceu.
Jânio Quadros não foi eleito por ser excêntrico. Professor de português, descobriu São Paulo na essência da política que se desenvolve perto do cidadão, como vereador. Frequentou protestos, redações de jornais e em nome do povo reclamou do preço do pãozinho à sujeira visível. Ancorado em dois partidos que não eram os mais importantes, venceu todos os outros grandes reunidos para enfrentá-lo. O populismo, mais uma vez, foi arma.
Fernando Collor surfou também nessa onda, vindo de um mandato de governador de pequeno Estado. Seu problema foi escrachar o populismo de tal maneira que, de caçador de marajás, virou um deles, e ninguém conseguiu ainda enquadrá-lo, como ele também não deu alçapão às suas caças, eram só peças de campanha.
Fernando Henrique, com a experiência de uma candidatura a prefeito, sua representação da esquerda e expoente da resistência, tendo um plano econômico bem sucedido a exibir e um partido relativamente novo e sem desgastes ainda, correu duas vezes para o abraço.
Lula veio de uma liderança sindical mais forte até que um partido, mas o seu também era forte, à época. E de experiências de eleições que perdeu. O populismo encontrou nele um siamês, e levou às últimas consequências o que se pode esperar da transformação do que sai da garganta em popularidade.
São algumas evidências refletidas no espelho retrovisor, mas não se pode viver no futuro de repetições do passado.
Não é possível adivinhar o que vai interessar ao cidadão mas é possível não contar com a repetição saturada. A situação de Juscelino não se compara à de quem não tem um partido homogêneo e hegemônico, a de Jânio não se repete jamais para quem hoje vive de queimar etapas, as condições de Fernando Henrique e Lula não podem se instalar para quem está longe de ser uma candidatura natural.
Nenhum deles é modelo para o outro e também para os que querem disputar hoje. O Brasil é outro, os meios de comunicação são outros. Algum marqueteiro vai inventar os marajás? E o eleitor vai se sensibilizar com essa falsa perseguição aos privilegiados?
O tema sensível é a corrupção? Será o enfrentamento da rejeição? Ou será a economia, o bolso do eleitor, como sempre se traduz o emprego, salário, os preços de alimentos, assistência em saúde, retorno em educação e segurança, a vida enfim? Não se deve pedir refúgio na economia, porque há dados que permitem euforia e há dados que permitem depressão. Não se pode comemorar os 2,54% de inflação, nem os 7,5% de juros, diante dos 159 bilhões de déficit primário e o resistente desemprego que, embora descendo, continua alto. Nos jornais há parâmetros para qualquer gosto, da produção de cebola à do açucar. A economia é apenas uma questão.
O processo é de construção, não de adivinhação. A economia é de uma multiplicidade de situações impressionante. A corrupção é tema enfrentado, medidas providenciadas, cadeias lotadas. De novo: é preciso construir a candidatura, a história, o mais original que for possível. Tendo a realidade no horizonte.
Lula encerrou sua viagem por cidades de Minas Gerais, em campanha, com um comício em Belo Horizonte, na noite de segunda, no qual disse a que virá em 2018: vai revogar todas as medidas aprovadas no atual governo, como o teto de gastos, a reforma trabalhista, a reforma da previdência se vier a ser aprovada, a quebra da participação da Petrobras nos blocos de petróleo do pré-sal. É o mesmo candidato que para se eleger teve que se comprometer, por escrito, com a estabilidade, que venceu porque negou ruptura. E se preparou, com intenção clara para prometer o nada, pois o processo já tem nome: "referendo revogatório". E de quebra, para se defender, disse que "eles inventaram essa história de corrupção da Petrobras". Eles, no caso, são seus adversários políticos que, como ele, estão cobertos de denúncias.
Qual a proposta? O que viabiliza o candidato, hoje, parece ser não aquilo de que é a favor, mas sim o que é contra.
Nada mais velho que o discurso dos outsiders que, como tais, querem ser reconhecidos e amados: qual a proposta de Ciro Gomes, Jair Bolsonaro, Marina Silva, que não seja um populismo de nicho, um esperar sem fim que algo caia do céu em forma de projeto de país, equipe e votos? Nem o Rede aguenta mais o discurso messiânico à deriva, estão todos se digladiando em torno de zero. Talvez do fundo partidário.
Ninguém mais do que ela teve chances desperdiçadas, apoio de empresários sérios e com lastro, uma segunda candidatura atirada ao seu colo com extremo apelo sentimental. Ficou pelo meio do caminho.
Ciro sonha com recall e não sai do lugar, Bolsonaro com uma representação de voz que ninguém mediu nem sabe qual é, mas é na raia radical que não se sabe se o Brasil já aceita. Geraldo Alckmin é o antipopulista, tem partido, organização e está construindo. Para fazer o quê?
São enfadonhas mesmices do marco zero eleitoral.
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