ESTADÃO - 21/10
Produtor rural quer ser reconhecido como aliado, e não como vilão sem responsabilidades
Ninguém investe mais recursos próprios na preservação do meio ambiente do que o agricultor brasileiro. Os dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), exigido dos produtores rurais, comprovaram seu papel único e decisivo na manutenção da vegetação nativa e da biodiversidade.
Mais de 4,3 milhões de imóveis rurais já se cadastraram no CAR. E a superfície cadastrada já ultrapassou a área da agricultura registrada no último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponível, o de 2006. Com base em imagens de satélite com cinco metros de detalhe, os produtores delimitaram seus imóveis e mapearam todas as áreas dedicadas à preservação da vegetação nativa e diversas outras situações. Surgiu um banco de dados geocodificados inédito e enorme sobre o patrimônio ambiental existente em cada imóvel rural, município, Estado, bioma e no País.
A dimensão desse patrimônio é conhecida graças ao trabalho do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), localizado em Campinas (SP). Uma equipe de pesquisadores e analistas desenvolveu métodos e tratou bilhões de dados, mapeando e calculando com detalhe o total de áreas dedicadas à preservação permanente, à reserva legal e a diversos remanescentes de vegetação nativa, em cada um dos municípios do Brasil. Os resultados numéricos e cartográficos são públicos, estão disponíveis para consulta no site da Embrapa (www.embrapa.br/projetos/car), 24 horas por dia, sete dias por semana.
Em janeiro deste ano, sem incluir ainda os dados dos Estados de Mato Grosso do Sul e do Espírito Santo, os produtores dedicavam à preservação da vegetação nativa 176,8 milhões de hectares em todo o Brasil. Em média, 47,7% da área dos imóveis rurais são reservados para preservação da vegetação nativa e da biodiversidade. Isso equivale a 20,5% do território nacional. Todas as unidades de conservação (parques nacionais e estaduais, estações ecológicas, florestas nacionais, etc.) protegem 13,1% do Brasil.
A área dedicada à preservação da vegetação nativa pelos agricultores brasileiros é maior do que a superfície de qualquer país da União Europeia ou da América Latina (exceto a Argentina). Essa área representa três vezes a da França e cinco vezes a da Alemanha, por exemplo. E esses números deverão aumentar ainda mais com a inclusão, em breve, dos dados de Mato Grosso do Sul e do Espírito Santo.
No total, o Brasil ainda mantém 66,3% de seu território dedicado à preservação e proteção da vegetação nativa. Desse número, a agricultura garante um terço. Se agregada a vegetação conservada em pastagens nativas do Pantanal, do Pampa, da Caatinga e de campos de altitude, temos cerca de 30% do território nacional preservado pelos agricultores. Em janeiro de 2018 atualizaremos esses dados com os cadastros adicionais no CAR realizados ao longo deste ano.
Grande parte desses resultados ambientais, tão positivos, se deve ao novo Código Florestal, aprovado em 2012 e atualmente questionado por ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF).
Um cálculo com base no valor médio da terra em cada município brasileiro, realizado pela mesma equipe da Embrapa, indica que o patrimônio imobilizado nas áreas dedicadas à preservação nos imóveis rurais se situa entre R$ 1,2 trilhão e R$ 2,9 trilhões! Que outra categoria profissional ou agente econômico no Brasil imobiliza e dedica tal patrimônio privado à preservação ambiental?
A manutenção dessas áreas traz custos constantes para o produtor rural: instalação e conservação de cercas para impedir a entrada de animais domésticos; implantação de aceiros para protegê-las do fogo; vigilância dedicada a impedir a retirada ilegal de madeira, a caça e outras atividades de invasores; colocação de placas e de sinalização; plantio de espécies nativas, etc. Qual categoria profissional ou agente econômico no Brasil assume gastos tão frequentes, para não dizer perenes, com preservação ambiental?
Preservar essas áreas também implica renunciar a boa parte do seu potencial produtivo. Quantos empregos, alimentos, riqueza e impostos deixam de ser gerados com a imobilização dessas áreas? Estudos da Embrapa e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) avaliarão e calcularão esses aspectos. Assim, o Brasil e o mundo terão uma ideia daquilo a que o povo brasileiro renuncia em termos de desenvolvimento em prol do meio ambiente. Ninguém defende o desmatamento dessas áreas, mas a dimensão econômica e financeira do esforço dos produtores rurais precisa ser conhecida, compensada e incentivada pela sociedade.
Os mais de 176 milhões de hectares dedicados à preservação nos imóveis rurais trazem um enorme desafio de conhecimento e gestão ambiental. Qual a expressão dessas áreas preservadas em cada bioma? O que abrigam em termos de biodiversidade? Quais serviços ambientais garantem e em benefício de quem? Quanto carbono estocam? Que problemas e ganhos ambientais trazem às atividades produtivas e às regiões onde se localizam? Tudo isso precisa ser estudado, monitorado e gerido.
Esse enorme esforço de preservação nos imóveis rurais beneficia toda a Nação. Hoje, a responsabilidade e os custos de imobilizar e manter essas áreas dedicadas à preservação recaem inteiramente sobre os produtores, sem contrapartida da sociedade, principalmente dos consumidores urbanos.
E o que queremos nós, os produtores? Queremos ser reconhecidos como aliados das questões ambientais, e não como um vilões sem responsabilidades.
É tempo de reconhecer esse esforço e reparar as injustiças.
*Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
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