Michel Temer não se deixou abater como um cordeiro. Sobreviveu, e bem!, à primeira porta estreita que lhe impôs uma forma sem dúvida peculiar de golpe. Os lobos estão chateados com o resultado. Há até os bobos que estão surpresos. Como me alinho com aqueles que acham que a política não é matéria nem para santos nem para demônios –o que exclui rituais sacrificiais–, o que vi foi o triunfo do real sobre projeções mentais pautadas ou pela ingenuidade ou pela má-fé.
A decepção em algumas áreas é compreensível. Afinal, certas vocações morais haviam vendido ou a seus fanáticos ou a seus clientes a lorota de que o presidente não resistiria. No fim de semana em que Temer viajou para a reunião do G20, há um mês, Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi, na prática, nomeado presidente por setores da imprensa. Os mais afoitos já anunciavam seu ministério.
A política brasileira não é mesmo algo de que devamos nos orgulhar. Mas esperem: será a qualidade de seus críticos muito superior? Então o governo cuidou de liberar algumas emendas parlamentares e de preencher cargos no segundo e terceiro escalões de olho no resultado da votação? Uau! Digam-me: dado o tal "presidencialismo de coalizão", quando é que se agiu de modo diferente? Vou mais longe: não vejo mal nenhum em que o parlamentar, em períodos assim, busque destravar ou liberar o "recurso X", a que tem direito, dada a cota orçamentária para tanto. É claro que aumenta seu poder de pressão. E de troca.
Uma troca que, se feita, é absolutamente legal e legítima. Ou que se proponha o fim da fatia orçamentária que cabe a parlamentares, não sem antes indagar se isso eleva ou rebaixa o teor de democracia da política brasileira. Eu acho que rebaixa. Com efeito, 39 dos 40 deputados da CCJ que votaram a favor de Temer tiveram empenhados –empenho ainda não é gasto!– R$ 266 milhões em emendas entre junho e as duas primeiras semanas de julho. Ocorre que os 25 que queriam mandar o presidente para o patíbulo foram contemplados com R$ 135 milhões. Ao todo, em junho, o empenho ficou em R$ 1,8 bilhão. A fatia do Orçamento para esse fim é de R$ 6,3 bilhões.
Nesta quarta, diga-se, a estridente deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) vociferava contra Temer da tribuna. Mentiu sobre o passado ao afirmar que membros de seu partido deram a vida em favor da democracia –a mentira: não a "deram"; eles a dedicaram a uma ditadura comunista que não veio. E espancou o presente ao acusar o governo de comprar votos com liberação de verbas. Essa Alice é mesmo uma Rainha de Copas de araque!
Ela é uma das campeãs do "emendismo": R$ 10,5 milhões. Acho pouco provável que o presidente tenha decidido comprar os seus insultos.
Será que Dilma Rousseff só caiu porque, moralista máxima, se negou a trocar recursos legais por apoio? Querem saber? Essa conversa não faz sentido. A votação desta quarta opôs, sim, dois grupos. De um lado, estão os que, a 14 meses da eleição, resolveram investir no baguncismo institucional, certos de que a confusão e as águas turvas lhes trarão benefícios que, de outro modo, não virão. Do outro, reúnem-se os que entendem que a deposição do presidente conduz à desordem e ameaça as próprias instituições. Na raiz, noto, está uma penca impressionante de ilegalidades cometidas por delator, procurador-geral e relator, o que resultou numa denúncia inepta.
Não estou aqui a delimitar os respectivos territórios dos bons e dos maus. Não sou Deus. Há gente que presta e que não presta em ambos os lados. Prefiro o grupo que reúne decentes e vagabundos que não ameacem a ordem democrática. "E que tal um mundo só com decentes, Reinaldo?" Ah, eu topo! O chato, e a história o prova à farta, é que os candidatos a líder desse mundo são sempre... vagabundos!
Uma sugestão: presidente, não hesite em empregar as emendas, dado o Orçamento impositivo, da Emenda Constitucional 86, em favor da reforma da Previdência. Os santos vão reclamar. São do pau oco.
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