“Julgar por pesquisas de opinião” representa a antítese do papel constitucional do Poder Judiciário – inclusive do TSE
Nesta semana será retomado o julgamento que pode redundar na cassação do presidente Michel Temer pelo TSE. É o mais importante julgamento da história da Justiça Eleitoral. Há algumas naturais incompreensões sobre o tema.
É inegável que há uma crise política no Brasil. E ninguém duvida que a crise política tem impacto negativo na economia. No entanto, como bem observou o ministro Gilmar Mendes, “o TSE não é ambiente para resolver crises políticas”. O TSE deve julgar o processo que pede a cassação da chapa Dilma-Temer a partir de uma racionalidade exclusivamente jurídica. O contexto político circunstancial é um dado neutro. O ex-ministro Joaquim Barbosa afirmava que os juízes deveriam “sair às ruas” para orientar julgamentos. Discordo. “Julgar por pesquisas de opinião” representa a antítese do papel constitucional do Poder Judiciário – inclusive do TSE.
A nossa Constituição fez uma opção clara pela estabilidade dos mandatos. Isso não significa impunidade
Definido que o julgamento é eminentemente jurídico, o TSE terá de decidir se o processo contém (ou não) elementos suficientes para anular a eleição da chapa Dilma-Temer. É importante lembrar que não são quaisquer ilícitos eleitorais que redundam em cassação de mandato. É necessário que os eventuais ilícitos sejam graves o suficiente para desequilibrar o resultado. Nenhum país do mundo promove tantas cassações judiciais de mandato como o Brasil, mas a regra constitucional brasileira exige gravidade. A cassação de mandato, enfim, é medida excepcionalíssima que só está autorizada quando realmente ficar demonstrada a prática de abuso que comprometa o resultado eleitoral. Revela-se, no TSE, a gravidade exigida pela nossa Constituição? Na única fração do processo que pode ser validamente julgada, entendo que não.
Na origem, a ação proposta por Aécio Neves e pelo PSDB, no fim de 2014, tinha um objeto muito restrito. Havia a indicação de supostos ilícitos eleitorais que, mesmo sendo provados, não continham a gravidade necessária para indicar cassação. Bem mais tarde, revelações da Lava Jato – independentemente da força probante de tais fatos, o que não discuto aqui – deram contornos de gravidade ao processo. No entanto, a nossa Constituição não admite a inclusão destes fatos novos.
O prazo para apresentar fatos e impugnar o resultado eleitoral é de até 15 dias depois da diplomação. Depois disso não há mais espaço para impugnar mandatos, por mais graves que sejam os fatos posteriores revelados. É assim no mundo inteiro. A estabilidade da democracia depende da estabilidade dos mandatos. Por isso há prazos exíguos para ações de cassação em todos os países. A Comissão Europeia para a Democracia através do Direito orienta a adoção de prazos exíguos. A respeitada Comissão de Veneza, como é conhecida, diz que o interesse público está em vedar questionamentos tardios dos mandatos. A democracia convive muito mal com a instabilidade dos mandatos. Daí um prazo universal limite para a legitimidade do resultado eleitoral. A nossa Constituição fez uma opção clara pela estabilidade dos mandatos. Isso não significa impunidade. Se houve crime, a apuração deve estar na esfera penal. Para a Justiça Eleitoral, ou são apresentados fatos no prazo ou o mandato se estabiliza. Insisto: é assim no mundo inteiro, como mostrei nos dois pareceres que apresentei ao TSE a pedido da defesa do presidente Temer.
Esta ampliação tardia do objeto (com os temas da Lava Jato) não é admitida porque representa uma ação nova fora do prazo. A ampliação extemporânea, enfim, equivale à propositura de nova ação fora do prazo constitucional. Não por acaso, a jurisprudência do TSE sempre rejeitou a hipótese. Por isso, entendo que é assim que o TSE deve julgar o caso, apenas considerando o que estava no processo desde o início – sem a ampliação extemporânea. Até porque poderia ser casuístico alterar a jurisprudência apenas para cassar o presidente Temer. Casuísmo e Judiciário não combinam. O resto é algo para ser resolvido pelos atores da política.
Luiz Fernando Pereira é doutor em Processo Civil pela UFPR.
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