O GLOBO - 18/05
Mostrava-se dono do governo e com poder para influir no setor privado. Isso o torna responsável por muita coisa
Dez de maio de 2017, em Curitiba. O juiz Moro, na série de questões sobre a influência de Lula na Petrobras, pergunta a respeito da refinaria do Nordeste, especialmente se o ex-presidente sabia por que custava tão mais caro do que o previsto. Lula: Não sei. Acrescentou que a estatal era independente.
17 de setembro de 2009. Em entrevista ao jornal “Valor Econômico”, Lula conta que a Petrobras lhe apresentara um plano adiando investimento e sem previsão de novas refinarias. E o que fez o então presidente? “Convoquei o Conselho da Petrobras...”, responde Lula, direto. Resultado, não uma, mas quatro refinarias projetadas, inclusive aquela do Nordeste, da qual Lula fazia questão.
O PIB do Brasil ainda seria negativo em 2009, mas naquele fim de ano já estava claro que o país deixara a recessão para trás. Lula apresentou-se triunfante na entrevista. A recuperação era coisa dele.
Bem diferente do Lula de hoje, em Curitiba. Se o atual diz que não mandava no governo, que a Petrobras era independente, que o presidente apenas encaminhava nomes indicados para a diretoria, o Lula de 2009 alardeava seu poder sobre o governo e empresas do setor privado.
A linguagem deixava claro. Por exemplo: “Comprei um banco que tinha caixa”, referindo–se à aquisição da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil. Ou: “Quando fui comprar 50% do Banco Votorantim, tive que me lixar para a especulação”. Tratava-se de aquisição também feita pelo Banco do Brasil.
Especulação era, na verdade, a objeção de áreas do governo, do pessoal que achava a operação um mau negócio. Também havia resistência à compra da Nossa Caixa, então pertencente ao governo de São Paulo. Lula conta: “Não foi fácil tomar a decisão de fazer o BB comprar a Nossa Caixa”.
Repararam? “Fazer o BB comprar...”
No depoimento de Curitiba, os advogados de Lula reclamaram que o juiz Moro estava fazendo perguntas fora do processo, como aquela sobre a refinaria do Nordeste. Moro explicou que a questão era saber a relação entre Lula e seus subordinados, o que faz inteiro sentido. Se muitos dos subordinados roubaram tanto em tão pouco tempo, em tantas áreas do governo, qual o conhecimento que o presidente tinha ou deveria ter?
Pois o Lula de 2009 se apresentava como o dono do governo e com poder, e disposição, para influir no setor privado. Isso o torna responsável por muita coisa, inclusive pelos desastres de gestão, corrupção à parte. É o custo Lula.
A refinaria do Nordeste, pura determinação de Lula, deveria ser uma sociedade meio a meio com a PDVSA venezuelana, que entraria no negócio com dinheiro e óleo. E a coisa custaria em torno dos US$ 4 bilhões. Pois já no governo Dilma, a então presidente da Petrobras, Graça Foster, informava que a refinaria custaria US$ 17 bi, estava atrasada e ficara inteiramente por conta da estatal brasileira.
Como uma empresa como a Petrobras poderia ter cometido um erro desse tamanho? Simples. A estatal não tinha projeto nenhum para isso. “Se dependesse da Petrobras, ela não gostaria de fazer refinarias”, disse Lula na célebre entrevista ao “Valor”. Pois o então presidente decidiu, a diretoria improvisou umas plantas, chutou 4 bi de dólares, e assim se construiu mais um prejuízo bilionário, mesmo que não tenha sido roubado um centavo.
A compra do Votorantim deu um prejuízo de R$ 1 bilhão para o BB, logo no primeiro ano. O negócio só foi bom para os acionistas do Votorantim.
É interessante que, na mesma entrevista ao “Valor Econômico”, os jornalistas observam que isso de o governo mandar os bancos públicos comprar e emprestar já tinha levado instituições à quebradeira. Lula: “Emprestar dinheiro para amigo? Isso acabou”.
Terá sido por acaso que os maiores clientes do BNDES, por exemplo, sejam também os maiores financiadores de campanhas.
Lava-Jato à parte, há um custo Lula, que vai do buraco nas contas públicas até os prejuízos das estatais. Lula fez com que a Petrobras projetasse quatro refinarias, todos tipo maior do mundo. Duas, as do Ceará e Maranhão, não saíram do projeto e, mesmo assim, deixaram um prejuízo de R$ 2,5 bilhões. Duas foram construídas, a do Nordeste e a do Rio, o Comperj — ambas não terminadas, ambas muito mais caras que o previsto e provavelmente não lucrativas. Estavam certos os técnicos que não gostavam de fazer refinarias. Estavam todos errados ao aceitar a determinação do então presidente. Poderiam ter recusado?
Se o Lula de hoje está certo, a diretoria da Petrobras era independente e poderia ter recusado. Ou seja, o que o Lula de hoje está dizendo é que os culpados são as diretorias da estatal e os políticos que indicaram seus diretores. Mas quem era aquele de 2009?
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
Um comentário:
Nada melhor que um dia atrás do outro para repensar certezas e modificar, para aqueles sensatos, opiniões.
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