O GLOBO - 07/03
Mesmo que não fosse do folclore brasileiro dizer que o ano começa depois do carnaval, isso acontecerá forçosamente com a reforma da Previdência. Pois é necessário que o projeto encaminhado pelo governo à Câmara dos Deputados comece a tramitar agora, não muito depois da Quarta-Feira de Cinzas, para que, como é necessário, a reforma seja aprovada em meados do ano, bem antes do calendário eleitoral de 2018.
Por se tratar de Proposta de Emenda Constitucional (PEC), há um longo rito a ser cumprido, que passa por duas votações em cada Casa do Congresso, sempre com a exigência de apoio de no mínimo três quintos (60%) dos deputados e senadores. Não se pode perder tempo.
O presidente Michel Temer agiu com acerto ao entrar no trabalho político de convencimento de parlamentares sobre a importância desta reforma, depois que o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, foi alvejado pelo depoimento de José Yunes, amigo e ex-assessor do presidente, de que teria sido usado pelo ministro como “mula” no envio a ele de um envelope em que haveria dinheiro da Odebrecht para financiar campanhas do PMDB. Além disso, Padilha, o principal negociador do Planalto no Congresso para viabilizar as mudanças previdenciárias, pediu licença para realizar uma cirurgia em Porto Alegre. E já não voltou ontem ao trabalho, como era previsto. Prorrogou a licença, enquanto se aguarda a lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a ser encaminhada ao Supremo com pedidos de abertura de inquéritos sobre políticos com foro privilegiado citados em depoimentos da cúpula da Odebrecht à Lava-Jato. Entre eles, provavelmente Padilha.
Joga-se muita coisa importante nesta reforma, a própria estabilidade da economia, dependente do estancamento da tendência de déficits previdenciários crescentes, devido às rápidas mudanças demográficas por que passa o país. Com uma população em irreversível processo de envelhecimento, a queda no número de jovens cuja contribuição previdenciária paga os benefícios dos mais velhos, enquanto cresce a expectativa de vida destes, instalou dentro do INSS uma bomba-relógio de alto poder destrutivo.
Há quem considere dura a regra proposta da idade mínima de 65 anos para se pedir aposentadoria — como vários países já fazem —, bem como as normas de transição para quem está no mercado de trabalho. Mas sucede que o conteúdo da PEC reflete a demora dos governantes em adequar o sistema previdenciário à nova demografia dos brasileiros.
Daí os gastos com previdência já serem 40% das despesas primárias (sem os juros) da União. Índice em alta constante, porque, entre outros fatores, apesar de a população estar com uma expectativa de vida de 75 anos, continua a poder se aposentar com 58, em média.
É claro, por simples lógica aritmética, que esta conta não fecha. O déficit ultrapassou já os R$ 100 bilhões, e mesmo que a economia volte a crescer e a gerar empregos, o quadro estrutural da crise previdenciária continuará o mesmo. Até chegar ao ponto de o sistema comprometer todo o Orçamento. A crise fiscal que espreita o país daqui a mais alguns anos será tenebrosa, com desdobramentos políticos de mesmo teor.
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