O debate sobre Pelé e Maradona só começa a aparecer no estudo a partir da Copa de 2002
Com o objetivo de analisar as narrativas da imprensa argentina sobre o futebol brasileiro, realizei pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Buenos Aires durante os anos de 2005 e 2006. O período analisado foi as Copas de 1970 a 2002. As narrativas da imprensa argentina sobre nosso futebol eram, surpreendentemente, elogiosas e a referência ao nosso suposto “jogo bonito”, uma constante. Uma frase do antropólogo Pablo Alabarces, que me convidou para fazer a pesquisa, permeou todo o trabalho: “Os brasileiros amam odiar os argentinos, e os argentinos odeiam amar os brasileiros”.
No material de pesquisa, as provocações ao Brasil surgem a partir de 1998, mas somente no “Olé”, jornal esportivo fundado em 1996 e que tem uma linha editorial irônica, inclusive localmente. O debate sobre Pelé e Maradona só começa a aparecer no estudo a partir da Copa de 2002. Pelé tinha sido, inclusive, colunista do “Clarín” em diversas Copas e na de 1990 ele é anunciado como o melhor da história, em foto com Maradona, que ia jogar aquele Mundial.
Por falar em “Olé”, seu acesso on-line é livre. Suas manchetes em relação ao Brasil são, quase sempre, debochadas, como também o são em relação aos times e jogadores argentinos, dependendo da situação. Mas fora as manchetes, as matérias tendem a ser “neutras” e muitas vezes elogiosas. Chama a atenção a importância que o noticiário brasileiro, inclusive os que não são especializados em esportes, dá às manchetes deste diário. A impressão que se tem é de que nós não nos damos ao trabalho de ler as matérias ou não entendemos o espanhol, além de não compreendermos que o “Olé” não é para ser levado tão a sério. É preciso contextualizá-lo.
Ao analisar os jornais brasileiros do mesmo período, concluí que nossa implicância com os argentinos é anterior à provocação deles conosco. Nossa imprensa vem provocando a Argentina desde 1994, sendo que varamos a madrugada para torcer contra a Argentina na Copa de 2002, em partida contra a Inglaterra. Maradona chegou a ser tratado na imprensa neste período como “gordote cheirador”.
Passados dez anos, a relação entre brasileiros e argentinos mudou. Muito devido à internet, os argentinos se deram conta das provocações constantes dos e passaram a “amar nos odiar” também.
Na Copa de 2014, um número expressivo de torcedores argentinos veio ao Brasil tripudiando de nós em suas canções e nos sentimos ofendidos, como se nós, em situação semelhante, não fizéssemos o mesmo. A publicidade brasileira em períodos de Copa do Mundo coloca muitas vezes o argentino como alvo de pilhéria. Em um comercial, por ocasião da Copa do Mundo de 2010, uma latinha de cerveja chamava um argentino de maricón. E até pouco tempo, tínhamos personagem argentino alvo de deboche todos os sábados em programa de TV. Como diz o ditado: não sabe brincar, não desce para o play.
As “provocações” agora vêm de ambos os lados. Elas costumam fazem parte do universo futebolístico, daquilo que a sociologia chama de “relações jocosas”.
De fato, só rivaliza-se com quem é grande e por quem nutrimos certa admiração, ainda que latente. A “Ilíada” de Homero está cheia de passagens que mostram o respeito entre gregos e troianos e entre os heróis Aquiles e Heitor. Mas, diferentemente dos conflitos que podem levar à aniquilação de um povo, no esporte a rivalidade é intrínseca a sua natureza. Uma equipe necessita da “outra” para se singularizar. Por isso, dificilmente esta rivalidade adquire consequências graves. Mas o “amar odiar” não pode se transformar em “odiar”.
Os meios de comunicação de ambos os países têm contribuído para o acirramento do “amar odiar”, ao fomentar a rivalidade, instigando as desavenças. É preciso mudar o tom das narrativas. O rompimento da fronteira do “amar odiar” para a intolerância pode ser muito perigoso. A rivalidade não deve se cristalizar desta forma.
Ronaldo Helal é professor da Faculdade de Comunicação Social da Uerj
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