A eleição presidencial de 1800, a mais conturbada da história dos Estados Unidos, resultou em diversas reformas nos anos seguintes.
Nenhuma, talvez, tenha sido tão profunda como a que decorreu de uma decisão da Suprema Corte, que, ao se declarar incompetente para deliberar sobre um caso, fortaleceu-se de forma inesperada e permanente.
O derrotado presidente John Adams, pouco antes da transmissão do cargo, decidiu nomear novos juízes para as cortes federais.
O recém-eleito Thomas Jefferson e o seu secretário de Estado, James Madison, resolveram não dar posse a alguns dos novos juízes.
William Marbury, juiz nomeado, porém não empossado, recorreu à Suprema Corte.
O presidente da Suprema Corte era John Marshall, que fora secretário de Estado de Adams e responsável pelas nomeações dos juízes. Não se tratava de decisão fácil, inclusive pelas circunstâncias.
Caso Marshall decidisse a favor de Marbury, a sua decisão poderia ser ignorada por Jefferson, desmoralizando a Suprema Corte, então o Poder menos relevante da nova República. Caso arbitrasse contrariamente, declararia ilegal a nomeação que ele mesmo assinara.
A sua decisão revolucionou a jurisprudência americana.
Marshall argumentou que Marbury tinha o direito legal de assumir o cargo, assim como de buscar a reparação na Justiça; trata-se, afinal, da essência da liberdade em um Estado de Direito.
A revolução ocorreu na conclusão. A possibilidade de a Suprema Corte rever decisões do Executivo fora prevista em uma lei de 1787.
Marshall, porém, declarou essa lei contrária à Constituição. Portanto, a Suprema Corte não tinha a competência para reverter o ato do Executivo, ainda que dele discordasse.
Em uma única decisão, Marshall argumentou tanto a contenção judicial (as cortes devem se ater ao Direito), quanto o ativismo do Judiciário, pois inovou a norma legal ao decidir que cabia ao Supremo avaliar a constitucionalidade das leis, algo não previsto pela Constituição Americana.
Desde então, o Judiciário americano tem oscilado entre momentos de maior ativismo e outros de maior contenção. O ativismo foi eficaz para expandir as liberdades civis, mas nem tanto quando impôs políticas públicas.
As cortes no Brasil têm, crescentemente, deliberado sobre temas administrativos ou afastado normas legais, na contramão da democracia, por se tratar de um poder não eleito.
O próprio Supremo Tribunal Federal tem feito normas, argumentando a omissão do Congresso, nem sempre para o bem comum, como exemplifica o caso da cláusula de barreira. Talvez seja momento de maior contenção.
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