O GLOBO - 23/10
Grupos organizados que vivem do dinheiro público rejeitam qualquer sistema de avaliação da qualidade das despesas e se opõem a que governos revejam prioridades
Seja ou não a medida econômica mais importante desde a instituição do Plano Real, em 1994, a PEC 241, proposta de emenda à Constituição que estabelece um teto ao crescimento dos gastos públicos, ao menos deflagou debates e atraiu um certo tipo de crítica de grupos organizados que ajudam a entender como o Orçamento tem sido manipulado por pressões de corporações. É uma PEC também pedagógica.
Grupos sindicalizados ou não, com representantes no Congresso, atuam para retalhar o Orçamento, sempre em nome da grande massa da população, dos mais pobres. Uma deslavada balela. Trabalham para interesses próprios — servidores públicos em geral, em especial funcionários da Justiça, do MP, da Saúde, policiais, militares e assim por diante.
Foi preciso que o Estado quebrasse virtualmente — o crescimento da dívida em relação ao PIB aponta na direção da insolvência — para a tomada de uma decisão forte: aprovada a PEC, os gastos primários do governo central (exceto juros) aumentarão até o limite da inflação do ano anterior. Simples, mas eficaz — se acompanhado de medidas subsequentes, como a reforma da Previdência — para estancar um processo suicida pelo qual as despesas aumentam mais que o PIB, mais que a própria arrecadação e acima da inflação.
Frear esta corrida rumo ao precipício interessa à sociedade, mas contraria grupos que se beneficiaram dessa anarquia fiscal. Daí a grita . A PEC não é da “morte”, porque não congela quaisquer gastos, apenas não os deixa subir, no seu total, mais que a inflação — o que vinha acontecendo anos a fio, até chegar-se a esta crise histórica, com 12 milhões de desempregados. Por enquanto.
Saúde e Educação, setores vitais, dependentes de forma direta do Estado, não sofrerão corte de recursos. Suas verbas passarão, apenas, a crescer ao ritmo da inflação. Na Educação, os estados e municípios são as maiores fontes de recursos, ficando com o governo federal apenas 23% da despesa total. E, na Saúde, a PEC aumenta os gastos, em vez de cortá-los: ficou acertado que, este ano, a União destinará 13,2% da receita corrente líquida ao setor e, em 2017, 15%, índice que seria atingido apenas em 2020. E a partir do ano que vem, começarão as correções anuais pela inflação.
Há uma mistura de ignorância e má-fé nas denúncias de que o teto de gastos inviabilizará políticas sociais. É o contrário, porque, como explicou o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, em artigo no “Valor Econômico”, o ajuste fiscal evitará o baixo crescimento e a inflação crescente, estes, sim, fatores de desestabilização do financiamento dos gastos na Saúde, Educação, no Bolsa Família, e de tudo o mais. A criação do teto dos gastos — corrigido pela inflação, insista-se — não significa que certas despesas não possam ter crescimento real, acima da inflação. Basta compensar com reduções em outros gastos. A regra força os políticos a fazer escolhas, pois são eles que aprovam o Orçamento. Como em qualquer país maduro, e onde as despesas são avaliadas depois de feitas, para futuras correções.
Mas isso não interessa às corporações. Avaliar gastos e depois definir novas prioridades vai contra a atuação corporativista de segmentos da burocracia pública, que anos a fio pressionaram para ter salários e benefícios cada vez mais elevados.
Agora, o estouro das finanças estaduais mostra que será impossível ajustá-las se aposentadorias pagas a juízes, promotores, policiais, por exemplo, também não forem incluídas em reformas já em andamento no plano federal. A PEC do teto tem desvendado este jogo de corporações na defesa de privilégios, disfarçadas de representantes do povo. Longe disso, falam em nome de castas e de estamentos que operam nas sombras como efetivos donos do Estado. A PEC projeta luz sobre eles.
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