Dada a elevada fatia ocupada pelos segmentos privilegiados dos orçamentos subnacionais e o fato de a maioria deles ter conseguido se livrar do pagamento de seus próprios inativos & pensionistas (I&P), os titulares dos governos respectivos têm tido enorme dificuldade para pagar a conta dos I&P usando o suborçamento residual que lhes restou. O “orçamento dos pobres” precisa ser usado não só para isso, mas também para cobrir os gastos de outras funções igualmente importantes, como segurança pública e os investimentos em infraestrutura.
Tenho repetido ad nauseam que o investimento é o “primo pobre” do Orçamento. Já a dificuldade de cobertura da despesa com os I&P é a face menos conhecida da gigantesca crise que assolou as administrações subnacionais do país. O Estado do Rio, por exemplo, que, de forma inédita, havia destinado a totalidade de um item relevante das receitas, os royalties do petróleo, à cobertura da dívida previdenciária, foi surpreendido pela derrocada dessa fonte de recursos diante da queda no preço externo dessa importante commodity, além de enfrentar a recessão. Daí sua grande dificuldade de caixa. Registre-se, ainda, que a conta dos I&P tem subido fortemente nos últimos anos e tende a subir ainda mais nos próximos.
Nos orçamentos, os segmentos protegidos são Educação, Saúde e poderes autônomos (Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas, Defensoria Pública e Legislativo), além da conta relativa a outras vinculações de receita (transferências carimbadas etc.) e o serviço da dívida. Em 2015, o conjunto desses suborçamentos imexíveis alcançou fatias acima de 60% da receita total relevante. Na União, embora com configuração um pouco diferente, o problema é basicamente o mesmo.
E o pior é que o espaço aberto pela transferência dos I&P para a conta residual vem sendo ocupado por novas contratações de servidores ou reajustes salariais para os existentes, já que os segmentos têm direito a quinhões fixos do orçamento total. Essa é a melhor explicação para a escalada recente do gasto de pessoal. E como há outras secretarias igualmente importantes a atender, como a de Segurança Pública, sem falar nos investimentos em infraestrutura, a folha dos I&P ficou sem pai nem mãe.
Em que pese haver previsão legal para a busca de equilíbrio atuarial nos regimes previdenciários de todas as esferas de governo, temos evoluído muito pouco nessa direção. É preciso projetar receitas e despesas para, digamos, os próximos 75 anos, apurar o resultado financeiro anual, e, imaginando a prevalência de déficits, calcular o passivo total a preços constantes e em termos de valor presente, a fim de adotar as medidas adequadas de correção. Basicamente, essas medidas seriam: aumento da contribuição dos ativos e inativos e destinação de maiores contribuições do empregador (os governos) e/ou ativos/recebíveis financeiros ou reais de sua propriedade.
Os estados mais endividados conseguiram algum alívio financeiro junto à União na recente renegociação, ora em exame no Senado. Deixando o tema dos precatórios de fora por falta de espaço, as atenções deveriam se concentrar no equacionamento dos gigantescos passivos atuariais de todos os entes, inclusive a União. Sem o encaminhamento desse problema, muitos estados terão de começar a atrasar o pagamento da folha de I&P, entre outros itens do Orçamento, como alguns já fizeram, algo que sempre causa algum tremor social.
Assim, deveria haver um pacto entre as partes envolvidas, inclusive os representantes dos servidores em geral, em torno, em primeiro lugar, da criação de um fundo de pagamento de I&P, para onde se dirigiriam essas contribuições e os citados ativos/recebíveis, com vistas a zerar ou reduzir drasticamente os respectivos déficits atuariais, e em segundo na aprovação de todas as medidas requeridas no Congresso e nas respectivas assembleias.
A contribuição do empregador seria um percentual de todos os suborçamentos, considerando o peso de cada na despesa com I&P. Dever-se-ia ainda facilitar a antecipação das receitas das vendas dos ativos/recebíveis que forem destinados aos fundos, como forma de evitar uma enorme calamidade financeira e humana no curtíssimo prazo. As autoridades fazendárias federais vêm financiando, e continuarão a financiar déficits gigantescos com emissão de moeda, mesmo com a difícil aprovação da PEC do Teto, mas deixam implícito que os estados têm de se virar como puderem.
Finalmente, deverão ser aprovadas medidas de reforma previdenciária afetando os futuros I&P e capazes de contribuir de forma expressiva para o reequilíbrio atuarial em causa. Dessa forma, os atrasos de pagamento seriam evitados e o futuro estaria garantido.
O pacto referido neste artigo poderia finalmente incluir a aprovação das medidas de ajuste fiscal ora tentadas pela área federal, sem falar nas reformas previdenciárias em gestação no Ministério da Fazenda, ao que parece abrangendo tanto os regimes próprios como o Regime Geral do INSS. Só assim o país se daria os braços na busca do bem comum.
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