O Globo - 17/08
Segundo Nelson Rodrigues, “Deus está nas coincidências”. Sendo assim, a presidente afastada, Dilma Rousseff, deveria ficar atenta à coincidência acontecida ontem. No mesmo momento em que distribuía sua “carta aos brasileiros e aos senadores”, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki mandava abrir inquérito por obstrução de Justiça contra ela, que teria nomeado o ex-presidente Lula ministro-chefe da Casa Civil apenas para dar-lhe foro privilegiado e colocá-lo longe do alcance do juiz Sérgio Moro.
Além do mais, a presidente afastada teria participado de uma conspiração com seu líder, senador Delcídio do Amaral, para, em troca da nomeação, conseguir do ministro do STJ Marcelo Navarro decisão favorável a empreiteiros presos, especialmente Marcelo Odebrecht, que está fazendo delação premiada que incrimina Dilma.
Também ontem soube-se que Moro rejeitou o pedido da defesa de Lula, considerando-se apto a julgar as denúncias contra ele. Se seguisse o conselho de Lula, Dilma não escreveria carta nenhuma. Se seguisse o pensamento do presidente do PT, Rui Falcão, não insistiria na tese da convocação de um plebiscito para tratar de novas eleições presidenciais.
Por ser uma não solução, pois não está a seu alcance a convocação de eleições presidenciais fora do tempo, é uma promessa vazia, das muitas que Dilma já fez. Como dependeria de uma combinação com o presidente interino, Michel Temer, o que está fora de cogitações do líder do PMDB, é inviável. E, como a Constituição só prevê nova eleição presidencial caso o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) casse a chapa dos dois, Dilma não tem nada a ver com isso, não podendo, portanto, apresentar uma proposta que não lhe diz respeito.
Além do mais, a presidente afastada insiste na tese do golpe caso o impeachment seja decretado pelo Senado, o que é um caminho de contestação já superado pelos fatos políticos em curso. As delações premiadas que vão revelando o verdadeiro papel da presidente afastada no esquema de corrupção que cercou sua campanha presidencial e seu governo tiram-lhe qualquer possibilidade de se dizer “uma mulher honesta”, pois, pelo que se sabe até agora, nunca recebeu mesmo dinheiro no exterior e nem tem conta não declarada, como reafirma em sua carta, mas é acusada de ter feito “o diabo”, inclusive atos ilegais de corrupção, para se reeleger.
Dizer que recebe as críticas com humildade, sem elencá-las nem dizer textualmente o que fez de errado que mereceria mudanças de rumo em uma segunda chance, é pura retórica, como costumava fazer em tempos de crise. Convocar um plebiscito sobre reforma política, por exemplo, foi uma das medidas que anunciou em pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão em 2013, quando foi surpreendida por manifestações gigantescas contra seu governo.
Fazer um pacto nacional foi outra proposta que lançou ao vento em muitas dessas ocasiões, para depois esquecer. Não parece possível a Dilma vislumbrar uma vida política a partir de setembro próximo, pois, além de perder seus direitos políticos depois de impedida definitivamente, vai ser alvo de ações da Justiça em diversos níveis, e sem a proteção do foro privilegiado.
Não há promessa de diálogo que seja crível nos meios políticos, e sua presença na sessão de julgamento só fará a situação piorar. Ela teria que ouvir de corpo presente as críticas, inclusive daqueles que até ontem estavam do seu lado.
Assim como o presidente interino, Michel Temer, não quer ir ao encerramento da Olimpíada para não ouvir mais vaias, também Dilma não deve ir ao Senado para não ouvir as críticas duras que teria pela frente, vaias reais e metafóricas que selarão sua presença extemporânea na História política brasileira.
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