O GLOBO - 16/05
O exemplo do Proer, que saneou os bancos mas não evitou punições, é um princípio a ser seguido
Aadministração lulopetista arredada do governo com o afastamento da presidente Dilma deixou o Planalto com algumas bombas armadas. Na reta final das análises da admissibilidade do impeachment, quando já se desenhava como irreversível o pleito da oposição, ela abriu um pacote de bondades que impactará o já comprometido equilíbrio fiscal (aumento do Bolsa Família, dos subsídios do Plano Safra e do Minha Casa Minha Vida, reajuste da tabela do Imposto de Renda), artefato que custará ao país R$ 10 bilhões. Se Temer o mantiver da maneira que está.
Outras armadilhas foram armadas antes, mas também quando o impeachment já se desenhava como uma derrota de Dilma. Caso, por exemplo, da medida provisória 703, que altera dispositivos da Lei Anticorrupção (de 2013), visando a modificar o instituto dos acordos de leniência com empresas envolvidas em atos lesivos ao Erário (e, subjacentes, em ações contra a ética nas suas relações com o poder público).
A medida, editada em dezembro do ano passado, é alvo de críticas de juristas e do Ministério Público, por esvaziar o papel do MP na celebração dos acordos de leniência (a delação premiada para empresas apanhadas em atos de corrupção) — um retrocesso, tendo em vista que, como organismo não ligado organicamente a qualquer dos poderes, a Procuradoria atua de forma independente, autônoma, como tem demonstrado no curso da Operação Lava-Jato.
Especialistas apontam também um perigoso “jabuti” no texto da MP. O artigo 16º da Lei Anticorrupção estabelece que a autoridade máxima de cada ente público (União, estados e municípios) pode celebrar acordos de delação com as empresas. Mas a medida provisória flexibiliza a competência, no âmbito do poder público, para promover acordos de leniência, estendo-a a órgãos próprios de controle interno, isoladamente ou em conjunto com o Ministério Público — neste último caso, no entanto, apenas se dando ciência à Procuradoria após a instauração do processo administrativo. Ou seja, a apuração fica praticamente no âmbito do Executivo, um enviesado caminho para negligenciar o combate à corrupção.
Ao anunciar a MP, Dilma o fez com um fundamento correto: na imagem que criou, se era preciso punir os CPFs, também era imprescindível preservar a saúde operacional dos CNPJs. Certo, mas o que especialistas e procuradores temem é que, embutida na redação da medida, esteja a intenção de defender do ajuste de contas com a Justiça empresas “amigas” — aquelas flagradas em “malfeitos” pela Lava-Jato. Preservar empresas e empregos é um princípio justo, mas é preciso ter o cuidado de que, no curso dessa providência, não se pretenda blindar patrimônios das pessoas físicas (sócios, acionistas etc.) e livrar os CNPJs de alguma punição.
Com o Proer, firmaram-se critérios para casos de gestão temerária, vizinha da corrupção. O programa de saneamento de bancos resguardou as instituições financeiras, mas impôs sanções aos sócios controladores e executivos. Um cuidado que, testado, teve resultados positivos. A MP 703 vence dia 29. Aprová-la seria retrocesso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário