O GLOBO - 04/05
Uma das razões da existência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi acabar com a relação promíscua entre o governo e os bancos públicos. O controlador é forte demais, nomeia a diretoria, então normalmente os bancos não cobram dos governantes. Essa era a ideia que levou à formulação do artigo 36 da LRF. A Lei proibiu que houvesse qualquer tipo de operação de crédito entre eles. A história econômica do Brasil derruba a tese de que não há nada de errado com aquela montanha de dinheiro que o governo ficou devendo. Aquilo é, evidentemente, um empréstimo camuflado. Como eram as AROs.
Uma das teses da defesa da presidente Dilma repetida na Comissão de Impeachment pelo professor Ricardo Lodi é que a dívida do governo junto a bancos públicos era inadimplência contratual e não empréstimo. “A Lei de Responsabilidade Fiscal não inventa o que é uma operação de crédito”, disse Lodi, argumentando que um empréstimo é uma transação específica.
As AROs também não eram oficialmente uma operação de crédito, ainda que de fato fossem. Os bancos estaduais, e federais, por financiarem seus controladores, acabaram quebrados. O governo FHC saneou os bancos, federalizou as instituições estaduais, privatizou e propôs a LRF para impedir que novos fatos como aqueles acontecessem com os bancos federais. Esse é o espírito da lei, e o gráfico abaixo derruba totalmente a tese de um simples atraso no contrato. Ele mostra a que ponto se chegou e prova que os atrasos ocorreram também em 2015.
Os advogados que falaram em defesa do governo disseram que nem se deve discutir se houve culpa da presidente porque não houve a ação em si. Os decretos de aumento de despesa teriam seguido uma cadeia hierárquica, e a presidente apenas concordou depois de ouvir os especialistas. “A presidente assinou depois de uma hierarquia de decisões, portanto é uma ação neutra, da qual nem se deve discutir se há dolo ou não”, disse o professor Geraldo Mascarenhas Prado.
Ele deu o exemplo de um dos decretos que é um pedido de aumento de gastos apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça em favor da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. Como foi assinado pelo ministro Ricardo Lewandowski, o professor argumenta que o ministro então deveria ser também responsabilizado. O problema é que o chefe do Executivo é que tem a prerrogativa exclusiva de tomar decisão de baixar ou não o decreto.
Os defensores do governo sustentam que os decretos de aumentos de gastos não estouraram a meta porque ela foi alterada no fim do ano. É o princípio da anualidade, dizem. A acusação diz que se no fim do ano for aprovado um número que legaliza todo o estouro ocorrido anteriormente, a meta deixa de fazer sentido.
O ex-presidente da OAB Marcelo Lavanère atribui o impeachment à tentativa da elite de derrubar um “projeto popular” de governo. Os números conspiram contra a tese. A maior parte das pedaladas é transferência de renda aos proprietários de terra ou às grandes empresas através dos empréstimos subsidiados do BB e do BNDES. Respeito às leis fiscais não tem ideologia. É fundamental para qualquer projeto de governo.
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