Quando se diz que a crise brasileira é política, não significa que se circunscreva aos partidos e aos poderes em litígio, o Legislativo e o Executivo. O alcance e os danos são bem maiores. Abrangem o conjunto da sociedade, com efeitos danosos sobre os mercados, o emprego, as relações exteriores –comerciais e financeiras–, o ânimo e autoestima de cada cidadão. Daí a necessidade de não protelar o seu desfecho.
O país está paralisado há meses; ninguém investe, ninguém planeja e muitas empresas não suportam o quadro de imprevisibilidade –umas fecham suas portas, outras reduzem seus quadros.
O resultado é o que vemos: índices econômicos cada vez mais deprimentes, perda de credibilidade do país, desemprego em níveis inéditos, tensão nas ruas e nos lares. O pior que pode acontecer ao país, em tais circunstâncias, é privá-lo de um retorno rápido à normalidade. E isso está acontecendo.
Ao insistir em classificar de golpe o processo constitucional de impeachment, chancelado pelo STF, a presidente e aliados não só insultam as instituições como estimulam suas milícias a manter o ambiente de anormalidade. Golpe, sim, é isso.
Recorrem a chicanas jurídicas, acionam a mídia internacional com acusações infundadas, pressionam o Senado para esticar prazos na execução do rito do processo, prometem recorrer da votação da Câmara. Tudo em busca não de solução, mas de agravar os problemas, de modo a impedir um desfecho.
Agora mesmo, a pretexto do feriado –e crise não tem feriado–, perdem-se dias preciosos para a instalação da comissão especial do Senado que examinará a decisão da Câmara. O regimento interno dispõe que o colegiado deve ser constituído no mesmo dia em que a denúncia é lida no plenário. Foi assim no impeachment de Fernando Collor; nada impediria que assim o fosse também agora. Mas não foi.
Não se trata de cercear o direito de defesa, de resto exercido à exaustão pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. Não se pede que o rito suprima a defesa. Pede-se o contrário: que a defesa não comprometa o rito. O que está claro é que o governo não aceita o processo, quer transfigurá-lo em golpe e anulá-lo.
Isso foi dito com todas as letras por deputados da base governista na votação da Câmara. Ameaçaram com "reação nas ruas", na mesma linha do que já haviam manifestado dirigentes da CUT e da Contag, em pleno Palácio do Planalto, além do próprio Lula, que ameaçou chamar o "exército do Stédile", o dirigente da organização criminosa conhecida por MST. Golpe, sim, é isso.
O adiamento pelo STF do julgamento da liminar do ministro Gilmar Mendes, que impede a nomeação de Lula à Casa Civil, é outro fator protelatório, que mantém o ex-presidente como ministro informal, assediando parlamentares.
Lula comparou sua missão a operação de "Bolsa de Valores", em que a cada momento as ações oscilam. Perdeu na Câmara e precisa de prazo para agir no Senado. Golpe é isso.
A presidente aproveita o intervalo e vai ao exterior com a intenção de denunciar o "golpe", incidindo em novos delitos contra o Estado democrático de Direito. Não há golpe quando se cumpre a Constituição.
O impeachment deriva dos crimes de responsabilidade, amplamente demonstrados no processo em exame. Dos mais de 30 pedidos que chegaram à Câmara –inclusive um da OAB–, o que foi submetido a voto se atém às pedaladas. Petistas e defensores de Dilma gostam de fugir do assunto ao dizer que não existe nenhuma delação contra a presidente. Mentem. É só ver que, se a linha fosse Pasadena, obstrução de Justiça e Lava Jato, não faltariam denúncias.
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