O Brasil fez, ao longo dos últimos dez anos, grande esforço pela saúde, graças ao Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse período, foram gastos quase R$ 2 trilhões - 3,9% do PIB em 2014, R$1.060 por pessoa. O resultado, apesar dos avanços ao comparar com o passado, são hospitais superlotados, epidemias de dengue e a imensa tragédia, vergonha nacional, da microcefalia. O erro foi não cuidar da base.
Tratou-se a saúde como questão de atendimento hospitalar, não como questão anterior ao hospital, de saneamento e medicina familiar. Tratou-se de doenças e não de saúde. O governo do DF, entre 1995 e 1999, não construiu hospitais, mas conseguiu aumentar o número de leitos disponíveis, nas unidades existentes, atacando o problema pela base em três áreas: um programa de saúde local, chamado Saúde em Casa; a generalização de serviços de saneamento, usando as técnicas de baixo custo desenvolvidas há 40 anos pelo engenheiro José Carlos Melo; e uma campanha intensiva de educação do trânsito. Atacou-se a base, com resultados positivos: menos doenças, hospitais sem filas, leitos livres, doentes atendidos em casa. Mas isso não foi considerado boa gestão, porque não se construiu hospitais, nem UPAs, reduziu-se a necessidade deles.
Enfrentar o problema na base não é visto com mérito; porque não põe placa de inauguração, não consegue financiamento de campanha por construtoras, menos ainda propinas, nem as pessoas passam orgulhosas em frente ao prédio e não percebem que não estão doentes por investimentos discretos ou mesmo invisíveis. A população não se deslumbra com as soluções de base.
O governo Lula entendeu isso e escolheu atender o gosto do povo por novas universidades, no lugar de cuidar primeiro da educação de base. Com isso ele pôde dizer que um filho de trabalhador entra na universidade pelas cotas. Isso dá mais votos do que dizer que os filhos de todos os trabalhadores têm uma boa educação de base e, por isso, isso têm condições de disputar uma vaga, em condições de igualdade mesmo com os filhos dos ricos. Mas essa opção seria solução pela base e apareceria como produto oferecido pelo governo. Não daria voto. Em compensação, não deixaria as universidades brasileiras na decadência em que estão.
Aumentar vaga nas universidades dá mais voto do que assegurar que todas as crianças terminarão o ensino médio com a qualidade dos melhores países, porque os alunos que entram, graças a novas vagas, ficam agradecidos, mas os que entram por vestibular não se sentem gratos pela boa escola de ensino médio. Quem não fica doente não agradece o saneamento, quem não foi acidentado não agradece aos hospitais com leitos livres.
Os empresários brasileiros querem que os governos ofereçam empréstimos subsidiados e exonerações fiscais, no lugar do governo definir formas e apoiar a elevação da produtividade. Preferem a solução por cima, desprezam o esforço e a solução pela base.
Os desenhos urbanos de nossas cidades concentram os lugares de trabalho no centro, para enfrentar os engarrafamentos, faz-se estradas e viadutos. Perdeu-se a chance de atacar o problema do trânsito pela base, reduzindo a necessidade de locomoção, podendo-se viver perto do trabalho, e oferecendo sistema eficiente de transporte público.
Queremos acabar com a violência pela construção de mais cadeias e a contratação de mais policiais, no lugar de medidas que façam o Brasil pacífico, redução do número de bandidos e o tamanho da violência. O povo não acredita que é possível atacar os problemas pela base, sobretudo porque demora, e prefere-se o imediato ao topo. Graças à Justiça e a um juiz, demos grande avanço para punir corruptos eleitos, mas não cuidamos da educação na base do eleitor para que não haja corruptos.
O desprezo à base, o gosto pelo topo é característica de nossa maneira de pensar. Pena que dificilmente essa lição será aceita para a eleição de prefeitos e a de 2018, para presidente. O eleitor vai provavelmente continuar preferindo o prefeito que prometa hospitais e viadutos, e não menos necessidade de transporte, não o que se comprometa com o saneamento e o presidente de mais vagas em universidades e não o de mais vagas no ensino médio. E, assim, continuaremos com mais hospitais lotados, mais trânsito interrompido, mais alunos da universidade abandonando o curso por falta de base.
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