Lula se acha injustiçado no inquérito sobre a corrupção na Petrobras, mas nunca pediu desculpas a Francenildo, cujo direitos foram violados e a vida foi devassada pelo seu governo
Dilma Rousseff, ontem, em Caxias do Sul (RS), para militantes do Partido dos Trabalhadores: — O presidente Lula, justiça seja feita, nunca se julgou melhor do que ninguém.
Lula, sexta-feira, em São Paulo: — Antes deles (policiais, procuradores e juízes) já fazíamos as coisas corretas nesse país... Eu fui melhor que todos. Eu fui melhor que todos cientistas políticos, fazendeiros, advogados e médicos que governaram este país.
Lula é um hábil ator da política-espetáculo. Soube com antecedência e reagiu de forma estudada. “Vou ser preso ou vão fazer a minha condução coercitiva”, avisou na véspera a Gilberto Carvalho — contou o ex-secretário presidencial à repórter Natuza Nery.
O momento mais espontâneo da sexta talvez tenha sido a conversa gravada e divulgada pela aliada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Ao telefone com a presidente, Lula disse o que pensa sobre as instituições, sugerindo um rumo para o processo sobre corrupção na Petrobras: “Que enfiem...” Não se conhece resposta de Dilma.
Lula sabe, também, que deverá ser denunciado. É a tendência da procuradoria com base em evidências sobre as finanças de cinco grandes empreiteiras, responsabilizadas por quase 70% da corrupção comprovada em negócios da Petrobras durante o governo Lula. Entre outras transações, os procuradores descreveram pagamentos de R$ 560 mil mensais ao ex-presidente, de 2011 a 2014. Lula defendeu-as: “Já se deram conta de que o salário de muita gente na Justiça vem dos impostos que pagam essas empresas?”
Preferiu dever respostas substantivas, como se desejasse entregar-se às suspeitas. Reverberou contra as instituições e voltou a sinalizar que a História é ele. Arrematou com seu estado de espírito: “Indignado”, “magoado” e “perseguido”.
Por coincidência, neste março completam-se dez anos daquela que talvez tenha sido a maior das injustiças cometidas pelo Estado brasileiro contra um cidadão comum: Francenildo dos Santos. Aos 24 anos, ganhava por mês (R$ 370) quase 1.500 vezes menos do que Lula recebeu das cinco empreiteiras do caso Petrobras.
Caseiro no Lago Sul, em Brasília, em 2006 testemunhou cenas dos porões do poder, como o trânsito de malas de dinheiro em ambiente de festas libertinas. Num ano eleitoral marcado pelo inquérito do mensalão, confirmou à repórter Rosa Costa que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, frequentava a casa.
Convocado à CPI, foi silenciado pelo senador Tião Vianna (PT), que obteve uma liminar no Supremo. O número do seu CPF foi levado da Secretaria da Receita, comandada por Jorge Rachid, para o Palácio do Planalto. Ali, Lula se reunia com o ministro Palocci e o presidente da Caixa, Jorge Mattoso. À noite, o ministro recebeu de Mattoso um envelope com a violação do sigilo bancário de Francenildo na Caixa, relatou o repórter João Moreira Salles.
O governo espalhou cópias de extrato bancário onde constava depósito de R$ 30 mil. Tornou o caseiro suspeito de corrupção, a soldo dos “inimigos” eleitorais. A farsa não durou. Foi comprovado que o dinheiro fora doado pelo pai do caseiro, em parcelas, para ajudá-lo a comprar uma casa.
Desempregado e com a vida vasculhada, Francenildo aguentou firme. Até sugeriu que a devassa se estendesse ao seu voto na eleição de 2002: ajudara a eleger Lula presidente, de quem jamais recebeu sequer um pedido de desculpas.
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