A Medida Provisória (MP) 703 foi um duro golpe contra todos os brasileiros que anseiam pela diminuição da impunidade. Com o ato presidencial, abriu-se uma ampla porta para deixar impune a corrupção de empresas. E com a revelação da versão inicial do texto da MP – muito diferente do texto mandado publicar pela presidente Dilma Rousseff –, evidencia-se mais uma vez a precisa intenção do governo de não punir as empreiteiras.
Conforme reportagem do jornal O Globo, a versão inicial da MP 703 propunha que a reparação integral do dano fosse condição necessária para a celebração do acordo de leniência. Essa parte simplesmente desapareceu do texto assinado por Dilma. Também sumiu a possibilidade de afastamento por até cinco anos dos administradores das empresas.
Parece que a presidente entendeu que tudo isso era exigir demais das empreiteiras amigas, que nutrem tanta afeição pelo PT e pelo ex-presidente Lula. Diante da disparidade entre a versão inicial e o texto final, fica claro que o autor da proposta original não havia entendido a intenção presidencial. E foi preciso mudar o conteúdo.
Dilma Rousseff não assinaria nada que pudesse constranger as empresas que há tantos anos caminham de braços dados com o PT e seu projeto de poder. A presidente queria uma medida provisória que não deixasse margem para qualquer dúvida – os acordos de leniência deveriam ser um caminho seguro e nada custoso para as empresas se livrarem de complicações jurídicas decorrentes de denúncias de corrupção. Era preciso um texto no qual a impunidade ficasse firmemente assegurada, sem possibilidade de interpretações “equivocadas” por parte do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União ou do Poder Judiciário.
E assim foi feito. Excluiu-se o que poderia constranger as empresas amigas e a presidente Dilma Rousseff pôde assinar uma medida provisória na exata medida de suas intenções – um texto bem manso, intencionalmente preciso na hora de assegurar a impunidade e intencionalmente genérico na hora de impor obrigações a quem celebra o acordo de leniência.
Com a MP 703 é possível uma empresa celebrar acordo de leniência – e assim se livrar das penalidades pelos eventuais ilícitos praticados – sem revelar às autoridades qualquer fato novo. Basta uma promessa genérica de não delinquir no futuro para obter o bloqueio das investigações e processos em curso. Assim, desvirtuou-se a finalidade do acordo de leniência, que deixou de ser instrumento para elucidar os malfeitos – ser uma recompensa à colaboração na investigação – para se transformar num mero meio de livrar as empresas das sanções pelos atos de corrupção. O ato presidencial pôs por terra um dos avanços mais notáveis da Lei Anticorrupção.
De certa forma, a MP 703/2015 não chegou a ser uma surpresa. A presidente Dilma Rousseff sempre teve uma relação atribulada com a Lei Anticorrupção. Submetido o seu projeto ao Congresso pelo então presidente Lula em cumprimento a acordo internacional, foi por Dilma Rousseff sancionado. Mas várias vezes ela criticou publicamente a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas. Não se sente confortável com o caminho que a experiência de outros países mostrou ser o mais eficaz no combate à corrupção – punir exemplarmente quem geralmente é o principal beneficiário dos atos ilícitos e detém de fato o poder para impedir a ocorrência dos delitos. A presidente Dilma Rousseff prefere o velho sistema de perseguir apenas a pessoa física. O pior é que, depois de tantos anos de comprovada ineficácia, é difícil de sustentar que a inclinação por esse modelo seja apenas ingenuidade.
Não se descobriu até agora nenhum ato de corrupção pessoal da presidente Dilma Rousseff. Diante de casos tão variados dentro de seu partido, ela trata tal fato como um grande mérito pessoal, e não como se fosse a mais básica e comezinha condição para o exercício do cargo. De fato, não há denúncias envolvendo pessoalmente a presidente em atos de corrupção. Mas por que essa persistente licenciosidade com os malfeitos das empresas?
Nenhum comentário:
Postar um comentário