domingo, fevereiro 28, 2016

Caixa de penhores - SUELY CALDAS

O ESTADÃO - 28/02

Com sua política econômica rejeitada pelo PT, pelo padrinho Lula e por quem tem poder de investir e fazer rodar a economia, a presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, conseguiram fechar o círculo de oposição ao esforço desesperado para sair do atoleiro e dar aparência de que existe comando e um governo que vai pôr o Brasil na rota do crescimento. PT e Lula, agora, propõem um plano de governo em oposição ao que ela acaba de lançar esperando seduzir empresários, investidores e o mercado financeiro.

Foi um fiasco. A descrença no governo, que já era grande, piorou. A Moody’s, única agência de risco que ainda mantinha o grau de investimento do Brasil, no dia seguinte rebaixou a nota do País em dois pontos e sinalizou viés de baixa. Dilma e Barbosa estão perdidos e os brasileiros, mergulhados no desemprego e na expansão da pobreza. A cena de uma família pobre e triste encarando o prato vazio na mesa, explorada por Dilma na eleição para condenar proposta da candidata Marina Silva, saiu do imaginário para a vida real de milhares de brasileiros. Hoje Dilma protagoniza a acusação feita à Marina e seu marqueteiro, que criou a cena da campanha, está preso.

Entre a promessa de reforma da Previdência e a apropriação indevida de dinheiro dos precatórios, há no ajuste fiscal do governo uma proposta em gestação com poder explosivo de criar problemas de difícil solução para sucessores de Dilma. Trata-se da federalização de empresas estatais estaduais que governadores repassariam para o governo federal privatizá-las, e o dinheiro da venda seria aplicado para abater o valor das prestações mensais da dívida dos Estados com a União.

Vendida como alívio ao sufoco financeiro que governadores vivem hoje, o Ministério da Fazenda ainda não detalhou a proposta, mas a comparou com a experiência vivida no governo FHC, que condicionou o alongamento da dívida dos Estados com a União à privatização dos bancos estaduais. Na época, o objetivo dos economistas de FHC era acabar com o farto uso do dinheiro desses bancos (todos carregavam rombos gigantes) para financiar campanhas eleitorais e enriquecer governadores e amigos. Para isso foi criada uma diretoria específica no Banco Central (BC), que acabou por privatizar todos os bancos e pôs fim a uma fonte poderosa de fraudes e corrupção. Regras semelhantes serviram para privatizar as distribuidoras estaduais de energia elétrica, igualmente usadas por governadores para financiar campanhas políticas. Agente da privatização, o BNDES vendeu 20 empresas estaduais de energia e arrecadou US$ 18,330 bilhões para os Estados.

Na época, a ideia deu certo porque: 1) havia vontade política do governo, pois a ideia era parte importante de uma bem arquitetada e abrangente reforma do Estado; 2) os escândalos de fraudes e roubalheiras nessas empresas penalizavam a população, que, cansada de pagar o prejuízo, deu apoio popular à privatização, tanto que a oposição feita pelo PT e sindicatos foi pobre em adesões; e 3) o governo escolheu quadros técnicos e experientes do BC e do BNDES para preparar licitações, avaliar ativos, enfim, levar as empresas a leilão com chances reais de sucesso.

Nada disso há hoje no governo Dilma. A falta de confiança tem afastado potenciais investidores e o programa de privatização se arrasta, porque não há competência técnica para conduzi-lo, além de enfrentar tiroteios vindos do próprio PT. Mas há ainda outro fator na proposta tão perigoso quanto arriscado: o governo federal virar uma caixa de penhores não de joias preciosas e valiosas penduradas no prego por governadores, mas de bijuterias vagabundas e bugigangas invendáveis.

“Cada Estado vai apresentar a empresa que acreditar ser mais interessante se desfazer em troca de uma redução no fluxo de pagamento de dívidas”, explicou o secretário do Tesouro Nacional, Otavio Ladeira. Sem nenhuma dúvida, governadores vão empurrar para Brasília suas piores empresas. Como as distribuidoras elétricas de seis Estados que há anos a Eletrobrás tenta e não consegue vender.


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