Roubar para ostentar é um ato falho do nosso inconsciente aristocrático
A lógica nacional sempre foi sensata. Ela rezava assim: se tudo vai mal e, se o Brasil também vai mal, então tudo vai bem. Este princípio — hoje em suspeição — permeia o nosso pensamento. Está tão dentro de nós quanto o melado que nos lambuza. Prestigiado, ele foi encampado pela esquerda como um valor. O roubo dos outros, vociferam, legitima o nosso. Ademais, roubar aquilo que seria de todos para ajudar os pobres não é safadagem porque, até o advento desta desagradável era de transparência e de liberalismo golpista, o que era de todos não era de ninguém.
Pertencia aos que “subiam” e controlavam a “República”. Aliás, devo lembrar o nosso desgosto por tudo o que é “re-pública” (coisa pública), pois, sendo mais filhos de família do que cidadãos, temos horror à impessoalidade e ao anonimato, esses irmãos da igualdade. No país das celebridades e dos queridinhos, todo mundo quer, além da conta bancária na Suíça, uma coleção de carros de luxo ou um quarto secreto cheio de quadros tão falsos quanto o dono. Roubar para ostentar é um ato falho do nosso inconsciente aristocrático.
O de “todos” é negativo. Ou alguém vai casar com uma “mulher pública”? Não estaria aí o temor que, ao lado do nosso machismo, afasta as mulheres da política?
O fato é que a indiferença a “tudo que é de todos” define o que nós, brasileiros, entendemos por “política”. Para nós, a política é o túmulo do que não gostamos. Como nada temos a ver com ela, tudo o que diz respeito ao gerenciamento público é entregue aos políticos, que fazem o que bem entendem, desde que atendam aos nossos pleitos. Ou não nos perturbem com muitos deveres e impostos.
Enquanto isso, nós jogamos o nosso lixo na rua certos de que cabe ao “governo” resolver o assunto, mas a maldita “política” não deixa. Tudo vai bem até o dia em que descobrimos que o descaso em massa, ao lado de incompetência administrativa e da má-fé ideológica, levam o país à ruína.
E se países não são empresas, eles só prestam quando gastam menos do que arrecadam. Mas se a nossa utopia é todo mundo virar funcionário público, bolsista ou aposentado e, como prêmio, todo “político” ter o direito de roubar sem ser punido, então o Brasil vai pro brejo!
E, se ele não é de ninguém, hoje nós temos certeza que ele não pode mais ser de Lula, do PT, da dona Dilma e do lambuzado Jaques Wagner.
Há uma cadeia. A indiferença que é o maior fosso entre o Estado e a sociedade começa a acabar quando o colapso da saúde, da segurança e da educação vira calamidades. Ao lado das catástrofes climáticas e dos abismos sociais ainda puerilmente tratados como dependentes de “vontade política”, e não de uma moralidade engendrada pela escravidão negra, comandada por uma aristocracia branca, entramos no vermelho.
Mas, se somarmos a tudo isso a incompetência e a roubalheira, temos o nó de porco perfeito.
O que me intriga, porém, não é somente o roubo; é achar que há roubo de direita e roubo de esquerda. O primeiro é errado, o segundo é certo. Curiosa essa inversão carnavalesca já anunciada quando o líder do partido e um dos que mais lucraram com a ladroagem — Lula, o probo — desafia-nos publicamente afirmando que não há “viva alma” mais honesta que ele. Só mesmo pensando no carnaval pode-se ouvir essa bazófia de um sujeito capaz de desconstruir-se com tanta competência.
Eis o operário pobre que virou o presidente mais amigo dos ricos da história deste país. E, não satisfeito com essa mascarada, deu aos seus novos amigos mais que dinheiro, pois num feito digno de sua patológica onipotência, entregou-lhes o Brasil. Para tanto, tornou-se um misto de presidente-garoto-propaganda e criou uma rede de favores nacionais e internacionais com todo tipo de gente, preferencialmente com “pluto-cleptocratas”. Seu governo criou uma imensa e incompetente máquina estatal voltada para a reação anti-igualitária, com o devido abandono dos idiotas que, por amor, esperança, honestidade, ideologia e utopia, o elegeram. Voltado para o poder do dinheiro, o lulopetismo fabricou uma nova elite e um novo discurso, não mais baseado no velho marxismo libertador da Guerra Fria, mas num populismo de massa unipartidário, capaz de comprar legislação e legisladores, no que se transformou na mais grave roubalheira da história do capitalismo: o assalto que arruinou a Petrobras.
A parceria de um partido dito revolucionário com setores tradicionais do empresariado resultou em ganhos eleitorais, num fardo impossível de administrar e num incrível embaralhamento institucional. Hoje, ser de esquerda é impedir o funcionamento da Justiça. Hoje, buscar o rumo é ser golpista.
Criamos mais um brasileirismo: o “capitalismo de esquerda”. Aquele que rouba e não faz. Ao fim e ao cabo, quem paga somos nós. Mas, como tais arranjos ocorrem em toda parte e, além disso, como disse a presidenta, todo mundo erra, se tudo vai mal, logo...
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