ESTADÃO - 07/01
O desempenho da Polícia Federal (PF) na investigação do mar de lama que contaminou a administração pública dá alento aos cidadãos honestos e acatadores da lei, que renovam, assim, as suas esperanças em relação ao futuro do País. A Operação Lava Jato, que pelo menos conseguiu conter o ímpeto do assalto sem precedentes aos cofres da maior empresa estatal brasileira, é hoje símbolo das instituições republicanas postas a serviço da Nação. Não é hora, portanto, nem de pensar em cortes orçamentários que possam comprometer a amplitude e a eficácia do trabalho da PF, por maior que seja a penúria das contas públicas.
Não poderia ter sido outra, portanto, a reação do governo diante da crescente onda de protestos contra o que seria o “desmonte” da PF: o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, veio a público para garantir que a Polícia Federal tem recebido “total prioridade” de sua pasta e, consequentemente, “jamais faltará verba para a Lava Jato ou qualquer outra operação ou projeto estratégico” daquela instituição policial.
A reação ao anunciado corte de R$ 133 milhões no orçamento da PF para este ano começou a partir de manifestação da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), que na semana passada advertiu para os prejuízos que a falta de recursos ocasionaria ao curso de operações importantes como a Lava Jato. A Associação alertou para a possibilidade de estar em curso uma tentativa de “desmonte” da PF, patrocinada por políticos implicados nas várias investigações sobre corrupção nos órgãos públicos.
A suspeita é plausível. Contam-se às dezenas os parlamentares, altas autoridades federais e políticos em geral sob investigação, denunciados e condenados no âmbito das Operações Lava Jato e Zelotes, para citar apenas as duas de maior repercussão junto à opinião pública. No Congresso Nacional, a suprapartidária “bancada do pixuleco” age nas sombras com enorme desenvoltura e, se dependesse dela e de seus poderes tantas vezes demonstrados, inconveniências como as operações da PF certamente não existiriam.
Por outro lado, com uma insistência que chegou a causar espécie, altas autoridades do governo, entre elas a própria presidente Dilma Rousseff, não se cansaram de repetir que a economia do País, a começar pela geração e manutenção de empregos, seria fortemente prejudicada pela interrupção de grandes projetos de infraestrutura em decorrência do comprometimento das principais empreiteiras de obras públicas nos escândalos investigados pela polícia. Eram argumentos que sugeriam que o crescimento econômico tem ligação direta e necessária com os excessos de empresários gananciosos e políticos inescrupulosos. Ou que, realisticamente considerando a hipocrisia de um mundo em que geralmente o dinheiro fala alto, ceder o espaço necessário à corrupção é o tributo que a virtude paga ao vício.
Não se pode negar fundamento, portanto, à queixa manifestada pelo presidente da ADPF, Carlos Eduardo Sobral, de que “a categoria enxerga o corte (previsto para o orçamento da PF) como um desprestígio”. Assim como também tem razão a diretora regional da ADPF em São Paulo, Tania Fernanda Prado Pereira, que se manifestou já depois do pronunciamento oficial do ministro José Eduardo Cardozo: “A medida do Ministério da Justiça é o reconhecimento do erro do governo de cortar nosso orçamento”. Para a delegada, a “sinalização” de cortes nos recursos para a PF pode ser “um primeiro passo” para o “sucateamento” da instituição.
De qualquer modo, ao garantir que de uma maneira ou de outra a PF não sofrerá cortes em seu orçamento para este ano, o ministro Cardozo agiu com a cautela politicamente recomendável a um governo que procura se apropriar do mérito das investigações sobre corrupção alegando que elas só se tornaram possíveis porque as administrações petistas garantiram autonomia e recursos à PF. Por outro lado, à medida que essas investigações avançam e, repetindo o que já acontecera com o mensalão, importantes quadros políticos do PT e seus aliados – por enquanto, dois ex-presidentes e dois ex-tesoureiros do partido – se tornam hóspedes do Estado, fortalece-se a crença de que neste governo e nesses partidos há muita gente que não morre de amores pelo trabalho dos delegados e procuradores federais.
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