terça-feira, janeiro 19, 2016

Governabilidade e pluralismo partidário - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

ESTADÃO - 19/01

“Um regime eleitoral é estúpido quando é falso”Ortega y Gasset


Em recente entrevista ao Estado (25/12/2015), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), José Antonio Dias Toffoli, deu ênfase ao óbvio ao afirmar que o sistema partidário brasileiro impede o governo de governar. Observou Sua Excelência, com a convicção fruto da experiência: “Em 2014, o partido que fez mais deputados obteve 12% das cadeiras do Parlamento. Então, esse sistema eleitoral, se não for atacado, continuará ingovernável. O sistema atual fragiliza os governos”.

Com efeito, encontram-se registrados no TSE 35 partidos, dos quais não mais do que três ou quatro têm representação nacional. Boa parte é destituída de expressão e presidida por figuras anônimas, na busca de improvável notoriedade.

No período compreendido entre 1945 e 1979, segundo dados do mesmo TSE, tínhamos 25 agremiações revestidas de personalidade jurídica político-partidária. Sobressaíam a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático (PSD), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Ao segundo time pertenciam o Partido Democrata Cristão (PDC) e o Partido Social Progressista (PSP). Outros, como o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Libertador (PL), o Partido Republicano (PR), atuavam como coadjuvantes, sem chances de alcançar a Presidência da República ou governos estaduais, salvo como força auxiliar de legenda forte. Os demais não passavam de figurantes, sem voz e voto.

Durante o governo Castelo Branco (15/4/1964-14/4/1967) foram aprovadas duas legislações de natureza eleitoral. Em 14/7/1965 a Lei n.º 4.738 ampliou casuisticamente os casos de inelegibilidade, com o manifesto objetivo de torpedear a candidatura de Sebastião Paes de Almeida ao governo de Minas Gerais. Um dia depois entrou em vigor a Lei n.º 4.740, destinada a disciplinar “a fundação, organização, funcionamento e extinção dos partidos políticos nacionais”.

A escalada autoritária, iniciada com o ato institucional de 10/4/1964, baixado pelo Alto Comando Revolucionário, acelerou-se mediante o Ato Institucional n.º 2, de 5/11/1965. Foram extintos os partidos existentes, seguindo-se o Ato Complementar n.º 4, do dia 20, que atribuiu aos membros do Congresso Nacional, em número não inferior a 120 deputados e 20 senadores, a tarefa de “promover a criação, dentro do prazo de 120 dias, de organizações que terão, nos termos do presente Ato, atribuições de partidos políticos enquanto estes não se constituírem”.

Surgiram, então a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB); a primeira, como porta-voz do regime; o segundo, para cumprir o papel de oposição. Ambos nutridos com recursos do Fundo Partidário, criado pela Lei n.º 4.740.

A Constituição de 1988 estimulou a formação de partidos artificiais, oferecendo-lhes dinheiro do Fundo, e lhes garantindo horário obrigatório nas emissoras de rádio e televisão.

A seriedade, se um dia existiu, havia acabado. O que temos agora são legendas sem comprometimento ideológico, diante de impossível existência de mais de duas ou três correntes de pensamento político consistente e definido. Assim como surgiram em 1965, Arena e MDB desapareceram em 1979 para dar à luz debilitada prole com o nome de partidos. A primeira originou o Partido Democrático Social (PDS), fundado em janeiro de 1980, cuja falência, em 1984, ocasionou a criação do Partido da Frente Liberal em 1985. Simultaneamente o MDB gerou o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), rachado em junho de 1988 por dissidentes que se retiraram para fundar o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Desde 1986 foram registradas 31 agremiações com rótulos de partido. A onda surgiu com o Democratas (DEM), em 1986. O último a obter registro foi o bizarro Partido da Mulher Brasileira (PMB), reconhecido pelo TSE em 2015. Magoada por não receber tratamento à altura do seu prestígio, a deputada federal Luiza Erundina, do PSB de São Paulo, fundadora e construtora do PT, pretende lançar agremiação própria com a denominação Raiz Movimento Cidadanista (sic), durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.

A situação partidária melhorou ou piorou com o descontrolado pluripartidarismo posterior à redemocratização? Piorou, por ser falso. A degradação se deve ao Fundo Partidário, ao horário obrigatório, ao dinheiro corruptor de empresas.

O primeiro corresponde, grosso modo, à contribuição sindical compulsória que alimenta o peleguismo. O segundo é utilizado, abertamente, como moeda de troca na composição de alianças esporádicas, frágeis, de conveniência. O terceiro dispensa comentários.

A responsabilidade pelo fracasso deve ser atribuída 1) à leniência da lei, relativamente às exigências mínimas para registro, pois assinaturas de “apoiamento”, no jargão parlamentar, não encerram compromissos de inscrição, contribuição e fidelidade; 2) ao péssimo nível a que se reduziu a classe política, minada pelo populismo; e 3) à escassa politização do eleitorado, alvo preferencial da demagogia lulopetista.

A base da pirâmide se espalha por 5.570 municípios. Na maioria os partidos não atuam em caráter permanente. Os dirigentes aguardam as eleições para dedicarem parte do tempo à política como negócio. Vítima de baixa escolaridade, envolto em problemas de sobrevivência, descrente dos partidos e dos políticos, o eleitor vota por obrigação em alguém escolhido aleatoriamente.

A democracia depende de partidos fortes e representativos. Entre os 35 registrados, quantos exibem essas características? Com a palavra, para responderem, as ditas lideranças.

* ALMIR PAZZIANOTTO PINTO É ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

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