O país vive uma crise avassaladora que justifica chamar representantes da sociedade, ouvir sugestões e propor medidas. Mas tudo só faria sentido se as propostas tivessem a dimensão da crise. O governo precisa ter noção de que estamos afundando e que as más notícias diárias podem ter entorpecido os seus sentidos, mas não domestica a crise. Ela está piorando.
O ex-ministro Delfim Netto fez um chamado à ação em declarações nos últimos dias que repercutiram porque é isso que muita gente sente. Numa entrevista para Claudia Safatle, do Valor Econômico, disse que a presidente Dilma precisa governar. Ontem, estive com ele, no seu escritório em São Paulo, e gravei uma entrevista para a Globonews. Em resumo, o que tem dito é que a presidente precisa ir ao Congresso e propor reformas fortes que sempre foram bloqueadas pelo seu partido. É uma emergência. “É para salvar o país”.
Delfim traça o quadro. O país já está com 10 milhões de desempregados. A recessão deve destruir outros 4% do PIB este ano. Ontem, foram divulgadas as contas do governo central: um déficit de R$ 115 bilhões. Há empresas, segundo me contou esta semana o economista José Roberto Mendonça de Barros, que, apesar de sólidas e bem geridas, tiveram uma escalada de endividamento em poucos meses. Não porque tomaram mais crédito, mas porque o faturamento caiu drasticamente e a dívida/ebitda deu um salto. O que vários economistas estão dizendo, independentemente de diferenças de pensamento entre eles, é que a partir de um determinado ponto uma crise escala e o país despenca.
O sinal de alerta de que estamos neste momento criando sequelas irreversíveis é a propagação do zika, esse inimigo do futuro. O vírus, ao destruir cérebros dos não nascidos, construiu a metáfora trágica deste momento de descuido, de descontrole, de desgoverno. Alguns casos nos Estados Unidos fizeram o presidente Barack Obama invocar a segurança nacional. É de segurança nacional que se trata, e não de torcer para que as mulheres contraiam o vírus antes de engravidar.
Havia interesse na reunião do Conselho Econômico e Social de ontem. Dois ex-conselheiros estão na prisão, Marcelo Odebrecht e José Carlos Bumlai, mas isso não desmerece o grupo. Ele tem pessoas relevantes em diversas áreas. Mas tudo foi feito na mesmice de sempre. Alguns elogios, como o da presidente da UNE, que disse que “os estudantes foram os mais privilegiados pelas políticas sociais do país”. Felizmente, a UNE não representa os estudantes brasileiros, porque se tivéssemos, a esta altura, uma juventude conformada seria ainda mais difícil encontrar o futuro. A propósito, o desemprego atinge principalmente os jovens.
A reunião foi fechada, apesar de atrair interesse. O país podia apenas acompanhar as pílulas distribuídas pela conta do Conselho no Twitter. Que segredo o governo queria guardar? Um segredo entregue a 100 pessoas?
Alexandre Tombini, presidente do Banco Central de um país que está com inflação de dois dígitos, disse que “permanecerá” vigilante e tomará as “medidas necessárias” para ter a inflação em 4,5% em 2017. O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, que fez parte das alquimias e invenções que arruinaram os cofres, propôs uma novidade. Duas. Um limite legal para o crescimento do gasto, mas, ao mesmo tempo, uma margem legal para acomodar as flutuações de receita. Propôs uma coisa e o seu contrário. Haverá limite, mas apenas se der para cumprir.
O país precisa de mudanças mais radicais. Tão profundas quanto a crise em que afundamos. De uma, a presidente Dilma falou, mas de forma contraditória: a reforma da Previdência que, pelo que disse, será um omelete que não quebrará ovos. Vai se tornar sustentável, mas não vai ferir direitos adquiridos nem expectativas de direito. Desta forma, ela só entraria em vigor quando os trabalhadores de hoje já estivessem aposentados. Será tarde.
A proposta concreta feita pelo ministro da Fazenda é maior do que o número antecipado nos jornais, mas é, de novo, ofertar mais crédito a um país endividado, inclusive com a sandice de usar o FGTS como garantia. Teria sido uma boa ideia conversar sobre a crise com líderes da sociedade, se o governo não fosse tão sem noção da urgência da hora.
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