sexta-feira, dezembro 04, 2015

"A economia está um bagaço", diz Arminio - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 04/12

Uma das duas grandes incertezas que atormentavam os mercados foi dirimida com a decisão do presidente da Câmara, deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de acatar o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A primeira era sobre se haveria ou não um processo de impeachment. Ele começou. A segunda dúvida é sobre se o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, permanecerá ou não no comando da economia. Ele tem dito a interlocutores que só pretende continuar se o governo fixar a meta de superávit de 0,7% do PIB para 2016. Caso contrário, deixará o cargo.

O recado que os mercados deram ontem foi "ou o governo muda ou muda o governo", na interpretação de fontes da área econômica. A mera permanência de Levy sem um programa fiscal firme e o início do processo de impeachment, no entanto, não resolvem os problemas dramáticos que tornam opaco o futuro do país. Há muito a acontecer nos próximos dias para ficar claro se o pedido de impeachment seguirá seu curso ou se acabará no nascedouro, com decisão do Supremo Tribunal Federal contra a ação de Cunha.

Ontem, o PT protocolou mandado de segurança no Supremo contra a decisão de Cunha, mas desistiu assim que a escolha do relator recaiu sobre o ministro Gilmar Mendes. O ministro, porém, negou o pedido de desistência do PT e a suspensão do processo e tornou-se o relator de eventuais futuros questionamentos.

Os desdobramentos da crise política, que se mistura e se realimenta das investigações da Operação Lava-Jato, ocorrem no momento em que o governo corre contra o tempo. A economia afunda em ritmo acelerado - os dados de retração do PIB divulgados pelo IBGE esta semana são apavorantes. O país caminha para uma depressão jamais vista na história contemporânea e, diferentemente de outras situações em que houve recessão, esta se instala depois de quatro anos de baixo crescimento.

Setores do governo veem a chance de Dilma renascer das cinzas, com renovado poder político, caso o STF aborte o impeachment, ou se ela for vitoriosa na obtenção dos votos necessários para barrar o processo na Câmara. Essa, porém, é uma avaliação que pode não corresponder à realidade de um governo que nasceu fraco e permanecerá assim até os seus últimos dias por várias razões, sobretudo pela inapetência para fazer um ajuste fiscal necessário e inadiável, sem o qual o futuro será sombrio.

É bom que fique claro: não há opção boa sem um ajuste, porque, dentre outras coisas, a dinâmica da dívida para os próximos anos é insustentável. Não existe a escolha entre fazer sacrifícios ou ser feliz, como tenta vender o PT. "O cardápio que existe hoje é fazer o ajuste e reorganizar a economia (para retomar o crescimento e a prosperidade) ou não reorganizar a economia e ter mais sacrifícios e o caos", resumiu Arminio Fraga a esta coluna. Para o ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, escolhido como ministro da Fazenda do candidato Aécio Neves, derrotado nas eleições de 2014, a questão é clara: "Esgotaram-se as opções. Não há mais band-aid, esparadrapo ou CPMF que resolva. A realidade é outra e temos que encará-la".

Com baixo crescimento e superávit primário das contas públicas insuficiente, a dívida bruta crescerá seis pontos percentuais ao ano e chegará em 2018 próxima a 90% do PIB, indica. Isso pressupondo juros reais constantes, PIB de -3% em 2016 e zero nos dois anos seguintes e déficit primário de 0,7% do PIB no ano que vem e de 0,5% em 2017 e 2018.

"A dinâmica da dívida é absolutamente avassaladora", adverte Armínio. "E da produtividade, também", completa. "A economia está um bagaço. O desemprego está subindo, o investimento cai 20% e a eventual aprovação da CPMF não ajuda coisa alguma. O país precisa dar uma parada, abrir a caixa-preta do Estado e zerar o jogo", sugere ele, que recentemente escreveu uma síntese do que seria um programa econômico compatível com a gravidade da situação.

Pesquisa feita com base na carteira de empréstimos do BNDES para os próximos quatro anos indica uma queda de 20% dos investimentos até 2018. Ou seja, não se trata mais de discutir uma suposta piora no futuro. "O problema já aconteceu e é gravíssimo", alerta Arminio. "É preciso uma coalizão política forte para abrir a caixa-preta do Estado e para fazer as reformas necessárias, de forma bem feita e abrangente. Sem o que, não há opção," Por tudo isso, a abertura do processo de impeachment, ainda que pelas mãos do deputado Eduardo Cunha - que está sob suspeita de corrupção - pode ser o início de uma solução, acredita.

Se o caminho for o vice-presidente Michel Temer assumir a Presidência da República, também não será fácil para ele formar uma coalizão dada a fragmentação partidária com 30 legendas no Congresso. Nesse sentido, o ex-presidente Lula, mesmo exposto a atos de suspeição, é um fator de desequilíbrio na formação de um grande acordo político.

Não há no país um grupo político organizado que tenha preocupação com o longo prazo. Não há, na visão de Arminio, um "dono", entendido como um conjunto de forças hegemônicas com legitimidade suficiente para fazer as reformas necessárias, não para evitar os problemas, pois eles, como reiterou, "já aconteceram e são gravíssimos".

Talvez Temer, se não for candidato em 2018, consiga imprimir avanços nas reformas como está no programa recém-divulgado do PMDB, "Uma Ponte Para o Futuro". O programa, pensado como instrumento de transição, converge ao pensamento dominante dos economistas e tem vasta gama de aspectos que constam também do programa que Arminio escreveu há poucos meses. Coincide, ainda, com a visão do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mas não com a de Dilma.

Arminio preconizava como medidas emergenciais a adoção de metas de saldo primário de 1%, 2% e 3% do PIB para os próximos três anos; aprovação da idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres (para gerações futuras) e reaprovação do fator previdenciário; desvinculação do piso da Previdência do salário mínimo; teto para a dívida bruta/PIB, reformas do PIS/Cofins e do ICMS; mudança das regras trabalhistas e aumento da integração do Brasil ao mundo, dentre outras.

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