A forma de pagar as pedaladas tem que ser a mais correta possível do ponto de vista fiscal e o governo precisa aproveitar para fazer um acerto de contas com o passado, mudando o rumo. É a melhor forma de voltar ao respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal. Se for com saque da conta única do Tesouro não vai aparecer na dívida. Se for com aumento de dívida tem que haver contrapartida.
É importante para o novo ministro da Fazenda encerrar o ano com essa conta quitada porque, como ele disse, não se pode levar para 2016 um problema que se arrasta desde 2014 e que tanta celeuma criou. Mas não basta isso, porque são dívidas com três bancos e um fundo públicos que surgiram do pagamento, por estas instituições, de despesa primária do governo. É preciso livrar-se do pecado original que foi a mistura entre entes estatais.
A conta única do Tesouro existe para ajudar a rolar a dívida em caso de necessidade. Sacar da conta única, uma espécie de colchão, para pagar as pedaladas faria com que tudo isso não aparecesse na contabilidade da dívida pública. É pouco transparente. Parecerá uma solução milagrosa, e este assunto tão incômodo vai desaparecer.
Para a conta única vai a arrecadação das contribuições que o governo não usou para o propósito específico. Arrecadou com a Cide, por exemplo, e não usou na melhoria de estradas? Vai para a conta única.
Os recursos ficam em títulos, rendendo. O saldo da conta só pode ser usado para o fim específico para o qual aquele dinheiro foi arrecadado. O rendimento pode ser usado para pagar dívida pública. A pedalada, entretanto, é despesa primária.
Nas outras soluções que estão sendo arquitetadas também há problemas, por isso é preciso que haja uma estratégia fiscal para pagar as pedaladas, antes que elas virem aquela poeira varrida para debaixo do tapete. O risco é entenderem a ampliação da meta de 2015 para um déficit de R$ 120 bilhões como se fosse uma anistia fiscal.
Na engenharia da solução da pedalada é preciso criar as condições para que os erros não se repitam. O que houve em relação ao BNDES foi uma farra absurda, em que o Tesouro se endividou em nome dos brasileiros para transferir dinheiro para o banco que emprestou a juros subsidiados. Por outro lado, houve também as pedaladas em que o governo deixou de pagar o que deve ao banco. As transferências para que o BNDES emprestasse chegaram a R$ 500 bilhões. Os atrasos das pedaladas, um pouco mais de R$ 20 bilhões. Se agora vai haver um acerto de contas, então deve ser com o governo se comprometendo a reduzir a farra do dinheiro barato para empresários. Sobrou recursos do Programa de Sustentação do Investimento, em torno de R$ 30 bilhões, porque há pouca segurança para investir neste momento. Então, esse montante não pode simplesmente continuar no banco, precisa voltar ao governo.
Há vários programas de bandeira meritória, como o Minha Casa, Minha Vida, e de execução duvidosa. E em todos eles houve gastança, porque esta é a natureza deste governo. Portanto agora é a hora de pagar, trancar a porta para novos gastos, e aumentar a transparência da despesa. Do contrário, continuarão os erros que arruinaram as contas públicas, e continuará a ciranda do gasto descontrolado. Isso é verdade tanto no FI-FGTS, no Plano Safra, no Minha Casa, Minha Vida. O pagamento das pedaladas não pode ser um “cala boca", tem que ser uma mudança de rumo fiscal num governo que já provou ser desnorteado. Do contrário, o buraco continuará aumentando. É preciso ficar claro que o Brasil já está num atoleiro com o déficit nominal em 9% do PIB, déficit primário por dois anos seguidos e uma dívida crescente.
A falta de um fiscalista no governo é o mesmo que ficar sem o grilo falante cutucando as consciências. No Ministério da Fazenda é preciso alguém que sempre mostre os riscos de determinadas soluções que parecem fáceis. Se todos no governo pensarem que é possível acomodar, encontrar uma forma engenhosa para resolver o problema, o país caminhará mais cedo para o descalabro.
O ministro Nelson Barbosa não é conhecido pela sua preocupação fiscal, e o ministro do Planejamento Valdir Simão nem conhecido é. Isso alimenta os temores sobre o risco de se fazer do pagamento das pedaladas uma “neopedalada”.
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