ESTADÃO - 22/10
Na última cena, o diretor Quentin Tarantino reproduz um dos clichês do bangue- bangue à italiana, quando três personagens apontam suas armas uns para os outros. Todos são ao mesmo tempo alvo e atirador. O impasse é explicitado por um dos anti-heróis do filme: “Joe, se você matar aquele homem você morre em seguida”.
Ao contrário do duelo tradicional, no chamado Mexican standoff, ninguém quer atirar primeiro. Se há só dois oponentes, o gatilho mais rápido tenta matar o rival antes que ele possa disparar. Quando há três segurando armas, o segundo a usá-la é quem tem a vantagem. Se Fulano atira em Sicrano, ele é morto por Beltrano – que é quem tem mais chances de sobreviver ao tiroteio. Para tanto, Beltrano também tem que torcer para sua vítima, Fulano, matar Sicrano antes que este tenha tido tempo de atirar.
O impasse não tem solução, pois tanto avançar quanto retroceder pode ser fatal para qualquer dos envolvidos. É o que acontece entre governo, oposição e Eduardo Cunha. Bravatas à parte, ninguém quer atirar primeiro para não ser abatido em seguida.
Cunha tem Dilma Rousseff na mira. Mas se deflagrar o processo de impeachment da presidente, nem oposição nem governo precisarão mais dele. Ato contínuo, a denúncia contra Cunha avançaria na Comissão de Ética, e o presidente da Câmara acabaria cassado. Por sua vez, se o governo der ordem para acelerar a cassação de Cunha, este aceitaria o pedido de impeachment, e a oposição terminaria o serviço. Já a oposição não pode avançar sobre Cunha porque ele enterraria o pedido de impeachment junto com ele.
A menos que um dos três atores tenha vocação suicida, é improvável que escapem desse Brazilian standoff em que se meteram. Neste cenário de impasse persistente, nem a oposição consegue rejeitar as contas de Dilma nem o governo consegue aprovar a CPMF. Não tem reforço para a tese do impeachment, nem sinalização de que o ajuste fiscal vai passar integralmente.
Enquanto isso, os artistas ficam trocando acusações e impropérios em um diálogo para manter a plateia entretida. Mas essa parte do roteiro é um clichê repetido à exaustão. Não leva a lugar algum, não muda coisa nenhuma. É encheção de linguiça.
Os únicos que podem quebrar o Brazilian standoff são atores externos. Isso pode acontecer se o Supremo Tribunal Federal iniciar um processo contra Cunha e sinalizar que vai condená-lo. Ou se diante da inércia do Congresso e do governo, uma segunda agência de classificação de risco retirar o grau de investimento do Brasil, precipitando nova fuga de capitais e alta do dólar.
Seja como for, mesmo que o standoff entre governo, Cunha e oposição termine em tiroteio generalizado, não há perspectiva de solução para o impasse maior, que propiciou essa situação. Não há saída para a crise política brasileira sem uma reforma na estrutura partidária que reverta a pulverização do Congresso.
Enquanto o presidente, seja ele quem for, continuar tendo que catar votos no varejão da Câmara, cada vez mais dependente de uma base movediça e franciscana, não há risco de a política brasileira deixar de ser uma versão requentada de um western spaghetti. É o sistema político que produz Eduardos Cunha, não é Eduardo Cunha quem produziu esse sistema político.
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