FOLHA DE SP - 10/10
A estratégia dos defensores do financiamento público de campanha tem sido eficaz. As doações feitas por empresas privadas passaram a ser vistas como a fonte dos problemas do sistema político do país. Uma inovação que surgiu para inibir práticas corruptas é agora tachada de prejudicial à democracia.
Uma breve análise histórica deixa claro que, na última vez em que as empresas foram proibidas de participar do processo político, práticas corruptas dominaram a competição eleitoral. O Brasil assistiu ao surgimento do escândalo PC Farias, então tesoureiro do presidente Fernando Collor, cujo final todos conhecem. Não podemos insistir no erro e apostar em algo que já se mostrou ineficiente no passado.
É preciso racionalizar o debate e apresentar à sociedade uma versão sem preconceitos ou estereótipos. Afirmar que o fim das doações eleitorais por empresas é o remédio para acabar com a corrupção é falacioso e empobrece a discussão.
Uma análise comparada demonstra que vários países com larga tradição democrática adotam o modelo de financiamento empresarial. É preciso destacar que, dos dez países que apresentam os menores índices de percepção de corrupção, entre eles Dinamarca e Noruega, oito permitem que as empresas doem para partidos ou candidatos. Por outro lado, só um país no mundo (o Butão) adota um sistema de financiamento exclusivamente público.
Nos diversos estudos sobre o tema, não há evidências empíricas que atestem a relação entre corrupção e doações eleitorais realizadas por empresas. Pelo contrário, fontes alternativas de financiamento tornam as disputas eleitorais mais democráticas, permitindo uma maior renovação nos Parlamentos.
Um sistema de custeio de campanhas mais restrito dificulta a ascensão de novas forças políticas, privilegiando quem detém mandato.
O Supremo Tribunal Federal se posicionou sobre o tema, 27 anos depois da promulgação da Constituição e após 14 eleições sob o novo regime democrático, e decidiu declarar a inconstitucionalidade das doações empresariais.
A decisão do Supremo pode se revelar trágica. É comum que decisões desencadeiem resultados não intencionais, a exemplo do que ocorreu com a cláusula de barreira e o consequente estímulo à proliferação de partidos. No caso do financiamento, em vez de inibir o abuso do poder econômico, o veredicto da corte pode favorecer os que atuam fora dos limites legais.
Como afirmou o decano do STF, Celso de Mello, a Constituição se limita a ressaltar que o abuso do poder econômico não será tolerado. Em momento algum, a Carta Magna estigmatiza ou revela hostilidade à atuação do poder econômico.
O que não se pode admitir são os desvios e abusos que comprometem a igualdade na disputa eleitoral. É preciso definir limites claros para as contribuições de campanha, com foco na transparência e controle direto por parte dos cidadãos.
O fim das doações empresariais acarretará, consequentemente, um incremento na destinação de recursos públicos para campanhas eleitorais. É possível que novos partidos surjam com o único objetivo de sobreviver às custas do financiamento estatal. O efeito para a democracia será o pior possível: um maior insulamento das agremiações e uma alta concentração de poder nas mãos de poucos líderes partidários.
Dessa forma, é fundamental robustecer e garantir a autonomia dos órgãos de fiscalização, responsáveis por coibir e punir a captação e emprego de recursos ilícitos em campanhas eleitorais. Criminalizar as doações empresariais não é o caminho para fortalecer a democracia.
BRUNO ARAÚJO, 43, advogado, é deputado federal pelo PSDB-PE
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