A vertigem da política brasileira é tamanha que não dá vontade de ler as páginas dos jornais que dela se ocupam. O pior é que acabo caindo na armadilha de falar sobre a política corrente, a respeito da qual já quase tudo foi dito. Se eu escrever, como teria vontade, sobre a crise (horrorosa) da Venezuela e o mutismo do Brasil diante dela, ou sobre a tragédia das migrações dos fugitivos da guerra ou da miséria que encontram as portas fechadas na Europa, pode-se imaginar que estou me esquivando de enfrentar o desafiador cotidiano brasileiro...
Sendo assim, vamos lá, outra vez. Há poucos dias escrevi uma frase no meu facebook que resumia a angústia com que nos defrontamos. Diante do que vem acontecendo, disse: ou a presidente Dilma renuncia ou assume uma inesperada liderança nacional. Caso contrário, acrescentei, continuaremos no ramerrão deixando que a operação Lava Jato e a crise econômica sacudam o país ao sabor de cada nova delação ou de cada nova estatística publicada. Deixei de lado, de propósito, os pedidos de nulidade das últimas eleições presidenciais, que correm no Tribunal Superior Eleitoral e um eventual pedido de impeachment por conta da eventual rejeição das contas da União pelo Tribunal de Contas.
Para minha surpresa, a leitura quase unânime foi a de que eu “mudara de posição” e pedia a renúncia da presidente. Os seus torcedores (poucos), alguns líderes do PT à frente, não precisavam de mais nada para me “desmascarar”: afinal, quem é esse senhor para ousar pedir a renúncia da presidente, quanta insolência! Também os que defendem o fim antecipado do atual mandato presidencial, não viram no que escrevi senão o apelo à renúncia, um ato exclusivo de quem ocupa o cargo.
Por que me referi à renúncia? Porque, no fundo, é este o grito parado no ar. Não foi a alternativa única que coloquei, mas foi a que, subconscientemente, à maioria dos que me leram pareceu ser a solução mais simples e menos custosa para sairmos do impasse. Não me parece a mais provável, dada a personalidade de quem teria de fazer o gesto de grandeza. É certo que a dinâmica das renúncias raramente se move por impulsos íntimos. São as condições políticas que as suscitam. Teremos chegado a este ponto? Ao colocar as alternativas respondi implicitamente que ainda não.
Entretanto, como a vida segue e não se vê a presidente assumir as rédeas do governo nem muito menos refazer seus laços com a sociedade, o mais provável é que os dois motores da conjuntura atual, ambos sem o controle dos políticos, continuem a ceifar esperanças: os processos judiciais, que ao implicar uns e outros e cada vez mais numerosos, vão enterrando a aspiração à impunidade de gregos e troianos; e a crise econômica que destrói empregos, arrasa lucros, aumenta o sofrimento do povo e não permite apontar para um horizonte de retomada de crescimento.
Mal comparando com conhecidos textos sobre este tipo de conjuntura, têm-se a impressão de que o antigo já morreu, e o novo ainda não surgiu. Este é o impasse. De que o governo cambaleia, não há dúvidas. A cada semana uma demonstração nova, a última foi o desencontro com a “nova” CPMF. Mal começavam os defensores do governo a justificá-la, de repente, a presidente diz que é e sempre foi contra a CPMF...
Se não há CPMF ou que nome se queira dar ao tributo, como fechar as contas no Orçamento? E lá vem nova barbeiragem: mostra-se o déficit e o Congresso que se arranje! O poder presidencial já se tinha diluído nas mãos de um ministro da Fazenda, que não reza pela cartilha da presidente, e nas mãos do vice-presidente, que é de outro partido. Por acaso desapareceu de nossa Constituição a separação entre as obrigações do Executivo e as do Legislativo? Será isso a antecipação de um debate salutar sobre a implantação, em futuro não muito longínquo, do parlamentarismo? No presidencialismo, contudo, cabe ao Executivo apontar os caminhos, e ao Legislativo corrigi-los, mas não desenhá-los. Não tem cabimento no presidencialismo tal tipo de delegação de poderes.
O fato é que este ziguezague político é prenúncio de que o fracasso atual não é só o de um governo — que inegavelmente tem a responsabilidade maior por ele —, mas de um sistema político que, mal manejado — por falta de traquejo, cegueira ideológica ou incompetência administrativa (que vem de mandatos anteriores do PT, diga-se) —, acabou por se esgotar e carregar consigo as finanças públicas. Disso se trata agora: o país quebrou, a economia vem sendo arrastada para o fundo do poço, e a desilusão da sociedade só faz aumentar.
Sendo assim, a solução da crise não decorrerá apenas da remoção do obstáculo mais visível a um reordenamento político, simbolizado por quem exerce o Executivo e pelo partido de apoio ao governo, mas da formação de um novo bloco de poder que tenha força suficiente para reconstruir o Estado brasileiro, livrando-o do endividamento crescente e já contratado pelas leis aprovadas. Bloco de poder não é um partido, nem mesmo um conjunto deles, é algo que engloba, além dos partidos, os produtores e os consumidores, os empresários e os assalariados, e que se apoia também nos importantes segmentos burocráticos do estado, civis e militares.
Não é de um golpe que se precisa, dele não se cogita, porque inaceitável. Precisa-se do reconhecimento explícito da situação pré-falimentar em que nos encontramos. Precisa-se de dispositivos constitucionais que regulem a expansão do gasto público, de regras que limitem o endividamento do Estado, assegurando o equilíbrio de longo prazo das contas públicas, em favor do investimento, tanto público como privado. Precisa-se de uma reforma profunda das regras eleitorais e partidárias que, sem grandes complicações, reduza a proliferação de falsos partidos, moralize o financiamento eleitoral e diminua os gastos de campanha. Precisa-se de um pacto federativo que, reformando o sistema tributário, nem sufoque os contribuintes nem deixe os estados à míngua. Para isso é preciso rever o que a sociedade espera do governo e está disposta a pagar para que o estado possa melhorar a vida povo.
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